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Quem diz o que é certo? - Flávio Paranhos

Quem diz o que é certo? - Flávio Paranhos

 

28/06/2014

Um dos momentos mais interessantes e acalorados do último Congresso Internacional de Bioética Clínica foi o que discutiu a profissão de bioético clínico. Que, diga-se, não existe no Brasil (ainda). Também conhecido como “consultor em ética clínica”, o bioético clínico é uma pessoa graduada em virtualmente qualquer coisa, mas que fez uma pós-graduação em bioética, e que se dedica a intermediar conflitos em situações clínicas.

Quando digo “graduada em qualquer coisa”, devo também dizer que preferencialmente em alguma área da saúde ou ainda em filosofia, sociologia ou direito. A coisa se complica graças à turma da filosofia. Está pra nascer pessoalzinho mais complicado. E isso ficou evidente na sessão do congresso a que me refiro.

Um especialista em ética é especialista em quê? Foi a pergunta posta por eles. Se ética é aquilo que se deve fazer, então esse profissional será especialista “no que se deve fazer”. Mas como ele sabe? E é só ele que sabe? Admitindo que ele conheça todas as teorias éticas, dos gregos aos contemporâneos. Diante de uma situação conflitante, sacará da cartola a teoria mais adequada à situação? Ou já se decidiu pela mais certa e esta será sempre a base para sua decisão? Se for um consequencialista, optará por uma ética weberiana da responsabilidade, em detrimento da ética da convicção? Se for não consequencialista, optará por um imperativo categórico kantiano?

Como se isso não fosse complicado o suficiente (o leitor certamente notou com facilidade que se trata de perguntas sem resposta satisfatória), há o passo seguinte: e se a teoria escolhida para embasar a decisão não for a mais adequada? Um utilitarista e um kantiano, um responsável e um convicto podem nunca chegar a um acordo. O dilema permanece. Mas saborosamente instigante mesmo é o passo seguinte:

Quem disse que precisamos de uma teoria ética para tomar uma decisão? O mediador pode simplesmente se valer da “ética vulgar”, chaves de argumentação acessíveis a qualquer um, quase (ou completamente) intuitivas. Pronto, resolvido o problema. Ou não. Se não há necessidade de conhecimento especial algum para resolver o dilema, por que preciso de um profissional pra isso?

Mas os dilemas existem, particularmente em grandes hospitais. E é insuficiente que sempre se delegue ao departamento jurídico, pois há diversas situações que não são preto/branco, mas diversos tons de cinza (a propósito, muito mais do que 50).

Sempre que pergunto a meus alunos se o professor de ética é mais ético do que os outros professores, ou se o aluno que tira dez na prova de ética é mais ético do que os colegas, a resposta é um convicto não. O que é óbvio, convenhamos. E as pessoas envolvidas nos dilemas (familiares de pacientes, por exemplo) também sabem que aquele que está ali mediando a conversa não é “mais ético” do que eles, ainda que se apresente especialista no assunto.

Portanto, a resposta à questão colocada pelos chatos filósofos é: o conselho de bioética que discute o dilema deve ter profissionais de várias áreas, mas o mediador, que leva o resultado da discussão aos envolvidos, deve ser apenas um bom mediador.
Publicado em O Popular
Flávio Paranhos
é medico, mestre em Filosofia, professor na PUC Goiás

 

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