Mundo Mulher

O Lugar do Pai

 

Se você já parou para observar ou mesmo estudar, deve então ter percebido que há um bom tempo muitos estudiosos e pesquisadores têm decifrado cada vez mais os intrincados e importantes aspectos da relação entre a mãe e o filho e, de modo muito particular, a relação mãe-bebê. Na área de investigação psicanalítica o assunto foi tão minuciosamente estudado que até criaram um "método" de observação de bebês e de observação da relação mãe-bebê. Mas qual é mesmo a razão de tão grande interesse? Acontece que "o filho humano nasce humanizado". A humanização do "filhote humano" é dependente das experiências das relações humanas. A relação inaugural, onde tudo começa é, inevitavelmente, com a mãe. Não há a menor dúvida sobre esta questão; "nosso mundo adulto tem suas raízes na infância". Se, por ignorância ou por um sintoma neurótico esta verdade não for levada em conta, estaremos diante de um prejuízo, inevitavelmente.

Mas... e o pai? Houve um tempo em que o pai praticamente não existia. Só a mãe. A situação inversa não existe, isto é, um tempo em que a mãe não existia mas só o pai. em tempos muito antigos, segundo nos ensinam os pesquisadores, o nascimento de uma criança não era relacionado ao contato sexual. A fertilização não era conhecida ou não admitida e era atribuída à forças da natureza ou à intervenção dos deuses.

Talvez para o bebê isto ainda aconteça. Para o bebé só interessa a mãe, só existe a mãe. Mas o bebê cresce! Um dia, ele começa a entender, pela via da experiência de relação com a mãe que ele é é uma pessoa e a mãe é outra, que a mãe tem preocupações e interesses independentes dele. Para a criança (por volta de um ano de idade) a experiência pode ser chocante. Ela não é a única, nem o centro de interesse do mundo. Se for conveinientemente ajudada seu interesse se dirigirá aos poucos para outras pessoas da família. Esta porta ue se abre permite à criança a preocupação da existência e presença de uma terceira pessoa, o pai. A da mãe é diferente da maneira como "depende" do pai. A profunda e arraigada relação de dependência com a mãe "sofre" uma saudável e natural interferência com a presença do pai e de outros membros da família.

A relação da criança (bebê) com os pais será sempre marcada por aspectos emocionais contraditórios incluindo, por exemplo, amor, ódio, dependência, ciúme, rivalidade, ameaça e medo. Seria muito importante para o desenvolvimento psíquico da criança que os pais estivessem juntos, amistosos, compondo um ambiente entre acolhedor e sustentado e, por tanto, dividindo a tarefa de criar os filhos. Sabemos, no entanto, que isto nem sempre é possível, a situação fica complicada mas freqüentemente para a mãe e para o bebê.

Mas... e o pai? A relação entre o bebê e a mãe é tão absolutamente fundamental que até corremos o risco de deixar o pai de lado. Está errado. O pai precisa ser incluído. Existe na cultura uma atitude comodista de excluir o pai, colocá-lo de lado, como se a educação ou a criação do filho fosse uma tarefa exclusivamente da mãe. Não é uma atitude rara, ou é?

O desenvolvimento emocional da criança abre um amplo espaço que permite mais claramente o lugar e a função do pai. Da mesma forma como a mãe é buscada, o pai será buscado também. O filho necessita da presença física e emocional do pai de maneira clara e efetiva.

"Pai não é o mesmo que genitor"
"Pai também 'uma função'. Assim como muitas vezes uma planta necessita de uma estaca, uma sustentação, um suporte para crescer, o filho precisa do pai, o suporte". o pai (inclusive do ponto de vista mítico) representa a ordem, a lei, a disciplina, o respeito, a ética, a conciência, a razão, o conhecimento, a luz, o sol. A mediação do que acontece entre a casa (lar) e o mundo é feita pelo pai. Portanto, as atitudes do pai diante do mundo, das pessoas e do trabalho afetam decisivamente o mundo mental da criança e é sua autoridade (não o autoritarismo) que ajuda a criança na contrução das noções de seus limites. É no nível social que o pai da à luz seu filho.

De que forma o filho busca a pessoa do pai? É só observar! O pai chega do trabalho, está cansado (supostamente), quer ver o telejornal, tem assuntos para resolver pelo telefone ou outros interesses mais urgentes e aparece a criança querendo o colo, com perguntas, querendo brincar, mostrar para o pai alguma habilidade desenvolvida, subir pelo corpo do pai, montar a cavalo no seu pé ou nas suas pernas. Havendo permissão vai dependurar-se no pescoço do pai, remexer nos bolsos, abrir a carteira e a pasta. É um momento delicado. Um pai que é capaz de perceber seu filho como uma pessoa, não perderá a oportunidade de ter o filho mantido nesse contato, pregado ao seu corpo. Contato físico e afetivo é o que a criança quer e é o que a criança precisa. As atitudes do pai, atitudes de acolhimento, contenção e atenção serão ainda mais valiosas se vierem acompanhadas de palavras capazes de traduzir e enriquecer o que está acontecendo.

Mas é um momento delicado. É freqüente a possibilidade de um "pequeno" desastre que se tornará ainda pior pela sua repetição. O desastre está na relação pai-filho quando o filho "chama a atenção", solicita o contato físico e afetivo e o pai não participa, perde a oportunidade de ensinar, empurra a criança para o lado, irrita-se com a insistência dela e finalmente enraivecido e itolerante, agride. Não são raras expressões desastrosas do tipo: "sai pra lá menino enjoado", "mulher, tira esse menino daqui", "que menino chato", "bobo" e muitas outras formas depreciativas, agressivas, expressões de falta de cuidado e falta de amor pelo menos naquele momento.

Com muita freqüência as crianças fazer "artes" que contrariam o entendimento dos adultos e por esta razão são punidas (ou castigadas). O tema é universal e necessita de atenção sempre. Imagine uma situação doméstica banal do tipo: quebrou um copo, derramou água sobre a mesa, brigou com o irmão, disse "coisas inadequadas", está chorando não se sabe por qual razão, querer ver TV fora da hora permitida, quer brincar na rua, não quer comer, insiste demoradamente em certas direções ou intenções e tantas outras e inumeráveis circunstâncias do viver diário. O pai "desafiado" pelo filho "custoso" ou "desobediente", mergulhado na pressa, impaciência ou falta de sabedoria, ameaça a criança. Mas as ameaças nem sempre são suficientes para esvaziar o pai da sua tensão. Então, seguindo as tradições neuróticas perpetuadas, espanca o filho. Um dos aspectos mais lamentáveis desta atitude é bater na criança e dizer que está educando. Mente para si, mente para a criança e, eventualmente, até mesmo pode ser avalizado por "autoridades" pedagógicas, psicológicas ou religiosas.

Bater na criança, sob qualquer pretexto, é expressar ódio, impaciência ou simplismente raiva, mesmo que invente mais uma mentira e diga que bateu por amor. Ninguém bate por amor. Bate por raiva e impaciência. É um atitude inútil para promover desenvolvimetos ou para educar. Bater na criança é útil para promover ressentimentos, medos, sentimentos de humilhação e de inferioridade. Assim como bater (ou espancar) - mesmo que seja só um tapinha na mão - outras manifestações sádicas dos pais estão nos castigos. A violência toma, agora, outras formas como "trancar no banheiro...,deixar chorando até adormecer..., trancar no quarto escuro..., etc. Em outras oportunidades, o pai (ou mesmo a mãe) enfurecido (e sem sabedoria) vale-se de recursos mais imediatos: grita, aponta o dedo, diz palavras grosseiras e imprudentes ou usa xingamento, sem falar nas atitudes criminosas, onde as crianças são espancadas até ao ponto de ficarem com os corpos "marcados" feridos, com hematomas, sangramentos ou fraturas. A violência dessa forma é ensinada dentro de casa.

Os pais precisam entender que as palavras são importantes para ensinar. No entanto, o mais importante é a convivência diária, mediada pelo respeito, respeito pelas diferenças; mediada pela consideração, pela persistência no caminho escolhido. E se alguém considerar que esse caminho é fácil, certamente estará enganado. Estamos tratando de questões dolorosas e muito difíceis. finalizando menciono as palavras do pediatra americano, Dr. Spencer Johson, em um de seus textos: "O importante não é o que eu penso a respeito de meus filhos. É o que meus filhos acreditam a respeito de si mesmos.

Fonte: Jornal de Psicopedagogia - Dr. Daniel Emídio de Souza - Médico (Psiquiatra) e Psicanalista.

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