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Hoje Acordei Papai...

Hoje Acordei Papai...  

Ontem recebi a notícia de que teria meu primeiro filho. tenho 27 anos e sou solteiro. fiquei contente, sempre gostei de crianças, tenho dois irmãos mais novos que nasceram quando eu era adolescente e sempre nos demos bem (não sou mais adolescente! Já tenho 27. Parece que descobri isso agora!). Fiquei contente ontem, ao receber notícia. E hoje eu acordei pai, pela primeira vez em minha vida. E então me assustei: agora tenho de ser pai todos os dias, até o final da minha vida!

Não há escolhas. A partir de agora, existe um filho. Alguém que depende de mim. Até ontem não era assim. Se eu desaparecesse, o único problema que deixaria seriam saudades, para algumas pessoas (e alívio para outras). Eu era o dono da minha vida. Hoje não é mais assim. Eu sei que existem a mãe da criança, os avós, os tios, os padrinhos, e que cada uma dessas pessoas poderia cobrir um pedaço da minha ausência - mas acho que por mais que tentassem nunca seria a mesma coisa. Ainda mais eu, que já fiquei triste por ter um pai distante. Não há culpa quando não se sabe que se está errado, mas quando sabemos as conseqüências dos nossos atos, não há escapatória. Vai além do desejo de ser pai, das fantasias de estar correndo em um parque esverdeado com uma criança sorridente: passa a ser também um imperativo moral, uma carga pesada - e constante... se tudo correr bem, até o último dia de minha vida serei pai.

Mas não bastasse isso, o presente é duplo: ganhei também a mãe do meu filho. Boa parte dos casamentos hoje não chega a dois anos, por diversas razões. Um relacionamento moderno, o nosso: por enquanto, não há planos de vivermos juntos. isso dependerá, no decorrer do tempo, da evolução dos nossos sentimentos. gostar de um filho, todos sabem, não significa necessariamente, gostar da mãe como mulher. O mesmo vale para ela com relação a mim.

Nosso relacionamento tem apenas alguns meses. com conturbações, sim. Contudo existia um desejo de amar. Amar no sentido de querer não tratar a pessoa como objeto, como posse. De tentar compreender as razções de suas atitudes. De perdoar. Existia esse desejo de amar, assim como quando estamos bem desejamos ser bons com todos, que todos sejam felizes, que as ações alheias não nos irritem. Mas o desejo de amar é congnitivo, teórico, é um projeto, que pode sumir com a facilidade com que um tropeço dolorido em uma pedra retira nosso humor e nossas boas pretensões.

Contudo ela agora não é uma pessoa com quem eu tenha uma relação de igual para igual. Ela é a mãe do meu filho. Qualquer coisa que lhe aconteça de ruim refletirá nele. Paranoicamente, o mundo passa a ser em um segundo um lugar muito perigoso. Tinturas de cabelo ou fumaça de cigarro são tão ou mais perigosas que uma guerra. E novamente eu, com minhas responsabilidades. De cuidar não só de uma criança, mas também da mãe. Qualquer coisa que aconteça à mãe afetará o bebê. Uma queda, uma gripe adquirem outros significadas. Não é necessário cuidar só de uma pessoa, o bebê, mas de três - dele, da mãe e de mim. O amor pelo conjunto é instantâneo, é um pacote fechado. Bastante diferente de gostar de uma mulher, sentimento bastante sujeito a flutuações, é gostar de uma mãe. A mãe é eterna. Uma relação saudável com ela sempre será necessária. Para mim, para ela e para a criança.

Hoje acordei pai, acordei muito e senti todo esse peso nas costas e não dormi mais. Ontem fizemos um exame de farmácia, hoje uma ultra-sonografia selou meu destino. A médica me olhou e sorriu, dando os parabéns. Eu deslizei na cadeira, me afundei. Uma parte de mim morreu. Sempre prezei a minha liberdade. Em todos os sentidos. Um exemplo: trabalho porque quero manter minha independência financeira. Contudo terei de trabalhar um pouco mais para sustentar um filho. Então será apenas uma mudança de quantidade? Outro exemplo: eu tinha planos de viajar o mundo, e nunca tive obrigação de voltar. Agora terei e necessariamente de passar boa parte de minha vida aqui. Mudança quantitativa? Não, muito além disso. Agora eu tenho de existir. Tenho. Sua existência me colocou no mundo. Soldou meus pés ao chão. A vida passa a ser real. Todo ato passa a ter conseqüências. Tememos para o outro riscos que negligenciávamos para nós.

Eu poderia virar as costas. Ser apenas um nome no registro e a pensão no fim do mês. Mas não posso. Não posso deixar de pensar em uma criança correndo em minha direção, frágil, sorridente, me chamando de "papai", sem me emocionar, sem doer o coração. Gostar não é obrigação. Mas também não é escolha. Não há escolhas. O amor é inevitável. E tudo isso por causa de um coraçãozinho medindo 1 milímetro (um milímetro!), a 149 batidas por minuto em uma ultra-sonografia...

FERNANDO CÉSAR OLIVEIRA COSTA é psiquiatra
fernandopsiquiatria@bol.com.br

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