Mundo Mulher

Mães ao quadrado e ao cubo

     10/05/2009

Entre mães de gêmeos é comum ouvir que elas não dormem, tiram um cochilo. Não se alimentam, engolem a comida. Não tomam banho, jogam água no corpo. Não carregam bolsa e sim malas e malas... Qualquer ida ao pediatra precisa ser planejada como uma verdadeira operação de guerra. Isso sem contar na angústia e na insegurança que batem quando o assunto é o futuro dos pimpolhos.

E cada vez mais mulheres passam pela experiência de ouvir a notícia do médico: “São dois! (ou três, ou quatro...!).” Culpa dos avanços da reprodução assistida. “No mundo inteiro, houve um aumento na taxa de gêmeos desde 1985, refletindo a evolução da medicina reprodutiva”, explica o médico Bruno Scheffer, diretor clínico do Instituto Brasileiro de Reprodução Assistida. Atualmente a gravidez múltipla já é considerada um dos efeitos colaterais dos tratamentos de fertilização, uma vez que são de alto risco.

A chegada de gêmeos altera a rotina de qualquer família.

Na semana do Dia das Mães, O POPULAR conversou com mulheres que passaram pela experiência de diversas formas. Tem a que fez o tratamento e tinha consciência (e até desejou) essa possibilidade, a que viveu a experiência de forma natural e até aquela que só descobriu a gravidez múltipla na hora do parto.

Elas contam que ser mãe de gêmeos significa lidar com crianças que têm as mesmas necessidades devido à idade comum. Cabe aos pais dividir afetos e multiplicar esforços para que o saldo final seja positivo. Nas próximas páginas, confira as respostas dessas mulheres à seguinte pergunta: o que ser mãe de gêmeos lhe ensinou?

‘Passei a dividir carinhos’

Na maternidade, Sônia, então com 27 anos e já com uma filha de dois em casa, teve uma crise de choro logo após o parto. As pessoas pensavam que ela estava emocionada com a chegada das gêmeas idênticas Juliana e Tatiana. Na verdade, Sônia estava apavorada. Ela e o marido, Eli César Batista, só descobriram que a gravidez era múltipla na hora do parto.

Durante a gestação, Sônia engordou apenas seis quilos e os exames da época, que escutavam os batimentos cardíacos do feto, apontaram apenas um bebê. As gêmeas eram iguais até nas batidas do coração. Logo o susto inicial deu lugar à revolução no cotidiano do casal. Tudo havia sido planejado no singular. Um enxoval, um quarto, um berço e até o nome a mãe só havia pensado para um filho. “Entrei em choque me questionando se eu daria conta”, rememora.

Para agravar a angústia, a semelhança física entre Juliana e Tatiana era um motivo a mais de preocupação. Na rua, as loirinhas idênticas eram aquele sucesso. Em casa, estava armada a confusão. Até os quatro meses, Sônia confessa que, apesar de toda a atenção, era comum se atrapalhar na identificação das gêmeas. Um broche de ouro preso na roupa com o nome das meninas foi a solução encontrada. O problema era que, na hora do banho, os broches, não poucas vezes, foram trocados. Juliana virava Tatiana e vice-versa. “É meio confuso, mas até hoje não sei se quem nasceu Juliana hoje é chamada de Tatiana, entende?”, tenta explicar, aos risos. Com tamanha semelhança, a mãe coruja coleciona histórias divertidas. Apesar de ter feito muitas renúncias em nome das filhas, Sônia diz que sua maior alegria é ver que, com a ajuda fundamental de seu marido, conseguiu superar os desafios. Hoje as gêmeas têm, segundo a mãe, uma comunhão inexplicável. “Elas nunca se separaram, casaram com dois irmãos, que têm a mesma profissão e moram no mesmo condomínio.” Amor eterno e em dose dupla.

‘Eu vivo intensamente meus filhos’

A pontualidade é britânica. Às 7h15, os trigêmeos Ilana, Maria Clara e Paulo Victor acordam. Às 7h30, escovam os dentinhos e vão brincar. Depois do almoço eles sempre dormem. O jantar é cedo, pois às 21 horas devem estar na cama. A responsável pela rotina rígida é a mãe da crianças, Lorena Teixeira, que achou na disciplina um jeito de equilibrar as atenções.

Lorena e o marido, o administrador Paulo Prado Júnior, de 27 anos, viram a família de três – ela já era mãe de Hayssa, de 14 anos – transformar-se de uma só vez em uma família de seis. Para Lorena, só quem tem trigêmeos sabe o que significa multiplicar tudo por três. A família precisou procurar um apartamento maior para abrigar os novos membros. Acaba sendo tudo no atacado. Hoje uma caixa de leite em pó com 24 latas dura, no máximo, um mês. Mas já foi pior.

Eram mais de 30 pacotes de fraldas por mês no primeiro ano. Como os nenês nasceram prematuros, com 33 semanas, ele precisavam tomar um leite especial que custa, em média, R$ 130 a lata. “Se tivesse condições financeiras, teria mais três”, brinca Lorena, que afirma que a felicidade que sente não tem preço. Os filhos foram gerados com técnica de fertilização. Foram dois anos de tratamento e nove tentativas. “Na última, pensei em desistir. Já não tinha estrutura emocional para mais um fracasso.”


Gravidez confirmada, Lorena assumiu o que chama de compromisso com a maternidade. Na primeira gestação, ela trabalhou até às vésperas do parto. Nesta segunda, por ser de alto risco, ficou de repouso absoluto desde julho. Os bebês nasceram em setembro. Paulo Victor teve uma parada cardiorrespiratória e foi para a UTI. Um drama que fez Lorena valorizar ainda mais a experiência de ser mãe. “Eu vivo intensamente meus filhos. Não os tive para babá criar”, garante ela. Porque em coração de mãe sempre cabem mais três.

‘Comecei a entender o mundo de outra forma’

Luzimar lutou muito para engravidar e por isso sabe que, quando esse desejo é verdadeiro, as pessoas devem recorrer até o último recurso, material e espiritual. Ela e o marido, o funcionário público Ataíde Henrique Duarte Junior, de 49 anos, tentaram quatro vezes antes de conseguirem. Usaram a técnica de inseminação artificial. “Engravidei em todas as tentativas, mas sofria aborto. Era um desgaste físico e emocional muito grande”, lembra.

Para ela, o peso maior era a corrida contra o tempo, a ditadura do relógio biológico. Luzimar tinha feito uma opção muito consciente. Terminar a faculdade, conseguir um bom emprego e só ter filhos depois de chegar ao auge da carreira. Mas ela sabia que, quanto mais tarde a gravidez, mais difícil e arriscado seria. Por isso, a explosão de felicidade ao descobrir que estava grávida e de gêmeos. “Foi uma gravidez cheia de expectativas e surpresas.”

Quando as meninas nasceram, a vida de Luzimar mudou e virou de cabeça para baixo. “O primeiro ano foi o mais complicado. Tudo é em dobro, o cansaço, o trabalho, o estresse, mas as alegrias também são.” Bem-sucedida na vida profissional, a mãe de primeira viagem precisou ter muita humildade para aprender como lidar com a maternidade. Além do verdadeiro batalhão convocado para ajudar – formado por mãe, babá e empregada –, o marido foi peça fundamental nesse processo. Hoje, ela divide a vida entre os compromissos profissionais e a alegria em ter duas fofuras que a esperam em casa com um sorriso no rosto. Porque nunca é tarde para realizar sonhos.

'Aprendi a ter fé’

Enquanto Raquel explica que a gravidez é uma coisa que muda a vida da mulher, ao fundo o marido, o médico Cláudio Bubniak, protesta: “E do homem, não?” Calmamente, ela responde: “Mas meu bem, a reportagem é do Dia das Mães.” A chegada das gêmeas Lara e Carina alterou profundamente a vida de Raquel (e de Cláudio também).

Raquel já era mãe de Marisa, de 11 anos, e Artur, de 9 anos, frutos de seu primeiro casamento. Cláudio não tinha filhos e era um desejo antigo do casal ter um. Como ambos têm uma vida profissional intensa, os planos de ter filhos eram sempre adiados para “o ano que vem”. Acontece que um dia veio a surpresa: um teste, desses de farmácia, apontou a gravidez. Raquel disse ter ficado muito assustada por causa de suas metas profissionais.

O susto virou pavor durante o exame de ultrassonografia. “São dois”, ouviu da médica, sem acreditar. Ela pediu para olhar direitinho. “São gêmeos e univitelinos”, confirmou a doutora.“Estava acabando de me acostumar com a ideia da gravidez, quando veio a notícia das gêmeas. Se já estava apreensiva por ter um filho, imagine dois de uma só vez!”, conta. “Hoje em dia ninguém tem quatro filhos. Pensei na questão financeira. Não somos ricos, somos trabalhadores. Então realmente fiquei preocupada.” Mas o ditado popular diz que Deus dá o frio conforme o cobertor. Foi o que Raquel ouviu de um colega de trabalho. Como mágica, a frase reacendeu a fé e acalmou Raquel. “Parei para pensar que se Deus estava nos dando esse presente, é porque daríamos conta.” Um dos principais desafios que o casal enfrentou com a chegada das pequenas foi logística. A casa passou por uma readequação. Os filhos mais velhos passaram a dormir no mesmo quarto para ceder espaço para as irmãzinhas.

Mamadeiras (muitas), fraldas (muitas) e mimos (muitos) fazem parte da rotina do casal, que ainda está se acostumando com a presença das meninas. O auxílio da mãe de Raquel (e de todo mundo que estiver disposto a ajudar) é fundamental para tudo dar certo. Raquel conta que nunca imaginou que gêmeos dessem tanto trabalho, que é recompensado pela alegria em dobro. Raquel sabe bem o que é padecer no paraíso.

‘Hoje amo em dobro os meus filhos’

Cely tem a fala doce e pausada. Aos poucos e, com certo receio, conta seu drama. Mãe de seis filhos – entre eles as gêmeas Isabela e Isadora –, ela está grávida novamente de dois bebês. Um sobrinho da irmã falecida completa a família. Ao descobrir a notícia da gravidez múltipla, o marido, de quem ela não guarda as melhores recordações, fugiu e voltou para o Pará. A ausência dele foi, em parte, um alívio na rotina de violência doméstica.

Por outro lado, reforçou as necessidades financeiras da família, que precisa de praticamente tudo. Até 15 dias atrás, Cely, que vive uma gravidez de alto risco e não pode mais trabalhar, dormia numa cama sem colchão. Na semana passada, ela recebeu algumas doações, fruto da iniciativa de vizinhos de fazer um apelo para a família na TV.

A preocupação maior é tentar improvisar um enxoval para os gêmeos. A casa onde a família mora, que está com o aluguel atrasado há um ano, teve a luz cortada por falta de pagamento. Chegou a faltar comida. E como explicar isso para uma criança que está com fome? “Eu abraçava eles e chorava junto quando me pediam comida”, conta.


Cely disse que já tentou por diversas vezes uma laqueadura, método de esterilização feminina, no serviço público de saúde. “Mas os médicos me falaram que estariam agindo contra a lei se me operassem. Mas que lei é essa?”, questiona. Uma assistente social prometeu que dessa vez a laqueadura será autorizada, mas só 60 dias depois do parto. Se pudesse escolher, ela a faria no dia do nascimento das crianças.

Sem mãe nem parentes para ajudar, Cely conta com a solidariedade de vizinhos e desconhecidos. Apesar da situação, ela não se sente vítima e diz ter esperanças num futuro melhor.

Para isso aposta na educação dos filhos, segundo ela, todos matriculados na escola. Ao divulgar o número do telefone da vizinha para receber doações, começaram a surgir propostas para ela doar os gêmeos, que devem nascer em julho. Propostas que ela recusa com veemência. “Eles são a única coisa que me sobrou nessa vida. Seja o que for que tivermos de passar, será todo mundo junto.” Mãe coragem.

‘Tudo delas é no plural’

É verdade que gêmeos tendem a construir uma relação de cumplicidade, o que geralmente é muito bem visto pela família, mas as gêmeas Anna Paula e Anna Carolina exageravam. Na escola, era comum as meninas trocarem de identidade para fazer provas e testes. Não foram poucas as vezes em que Eloisa, mãe das garotas, foi convocada para dar explicações em reuniões na diretoria.

Hoje, nem mesmo as moças conseguem se identificar nas fotos em que tinham entre um e dez anos. A afinidade é tão grande que elas escolheram a mesma profissão – são nutricionistas –, passaram no mesmo vestibular, estudaram na mesma sala, da mesma faculdade, e se formaram juntas. “Elas são muito amigas”, conta Eloisa, que, na hora de vestir as filhas, adorava colocar lacinhos iguais no cabelo das meninas. Até os 9 anos, elas se vestiam iguaizinhas. Com o tempo, as meninas passaram a recusar o figurino preparado pela mãe zelosa. “Apesar de iguais na aparência, os gênios são bem diferentes desde a infância”, lembra. Infância que marcou a vida da mãe. Foram tantas fraldas e noites mal dormidas que hoje ela prefere lembrar do sofrimento com muito bom humor.

Eloisa se diverte ao contar histórias que parecem não ter explicação. Certa vez uma das gêmeas – ela não arrisca apontar qual – quebrou o pé direito numa quinta-feira. No domingo seguinte, a outra irmã quebrou o pé esquerdo. “Andavam as duas de muletas uma de mãozinha dada com a outra”, relembra a mãe coruja, que hoje só tem olhos para o neto Luiz Felipe, de dois anos, filho de Anna Paula. Mas será que ser avó é melhor do que ser mãe? “Ser avó é bem mais gostoso, não sei se de gêmeos, mas de um só é uma delícia.”

O Popular/Renato Queiroz

Mundo Mulher
Mundo Mulher
Mundo Mulher
box_veja