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Família - Seus Filhos são Felizes?

Família - Seus Filhos são Felizes? Noite dessas, num restaurante, uma senhora abordou-me suavemente e me perguntou se meus filhos eram felizes. Certamente estava indagando, em outras palavras, se, agindo de acordo com as minhas teses educacionais, descritas em meus livros e palestras, teria tornado meus filhos felizes.

De fato, os pais hoje, tenham filhos pequenos, adolescentes ou mesmo adultos, vivem se fazendo essa pergunta, a todo momento, todos os dias. Questionam-se, caso percebam ou desconfiem que os filhos não estão felizes, se a responsabilidade não seria deles: "onde foi que erramos?"

A autocrítica, a revisão e a reflexão sobre nossos atos são sempre desejáveis e positivas. Quando analisamos uma situação e concluímos que erramos, em consequência, pode surgir o que denomino de "culpa boa" - aquela que faz progredir, porque muda atitudes e conceitos. Existe outra porém, "a culpa má", gerada por sentimentos difusos, por mitos ou medos, que não têm por base uma reflexão consciente que a explique, e que portanto não conduz à modificação de conduta, apenas à inatividade e ao medo. Por isso, ao me indagarem se meus filhos eram felizes, o que me veio á mente foi uma série de outras questões: somos nós pais, efetivamente, os responsáveis pela felicidade dos filhos? A felicidade dos filhos é uma tarefa dos pais? Pode alguém ser responsabilizado pela felicidade ou infelicidade de outrem?

Parece-me que muitos pais pensam que, de fato, é um dever seu fazer os filhos felizes. Essa crença talvez explique, em boa parte, por que tanta gente hoje tem medo de dizer não, de estabelecer limites. Talvez também por isso, os filhos ganhem tantas coisas materiais, tantos brinquedos, tanta roupa, tanto! Porque, observando a criança rindo, alegre, os pais pensam "eu a fiz feliz!" Se, pelo contrário, negam algum pedido ou interferem num momento de comportamento inadequado, vendo o filho chorar ou com a carinha amuada, sentem-se os casadores da dor, da tristeza.

Ser feliz será, de fato, estar rindo todos os dias, todos os minutos, sempre? Será que é esse tipo de felicidade que cabe aos pais proporcionar aos filhos - o riso descompromissado de quem ganhou mais um brinquedo ou teve mais um desejo satisfeito? E, ainda que não fosse esse tipo de felicidade de imediatista, que surge do atendimento constante aos pequenos desejos, ainda que fosse a alegria profunda, que se estabelece internamente pela certeza do dever cumprido, da responsabilidade, da produtividade, da contribuição efetiva com o outro, ainda assim eu perguntaria: "será possível alguém construir a felicidade de outro, ainda que esse outro seja o seu filho?"

Não seria mais plausível e justo pensarmos que a tarefa dos pais, não é FAZER os filhos felizes, mas sim criar condições para que seus filhos se tornem pessoas felizes? Uma infância tranqüila - num lar pleno pleno de amor, harmonia, equilíbrio, segurança, educação, saúde, justiça - certamente, contribuirá decisivamente para que esse objetivo, a felicidade, se concretize. Mas será que garante?

Ser feliz é uma capacidade que depende, não somente das variáveis objetivas que os pais têm o dever de prover, mas também de algo intrínseco e inato, que é o equipamento cognitivo (forma própria de perceber e interpretar o mundo, os fatos, as ações e atitudes do outro) de cada um. Trocando em miúdos, mesmo em meio a um ambiente familiar francamente favorável e positivo, uma pessoa poderá sentir-se e tornar-se infeliz, assim como também pode ocorrer de, num ambiente adverso, alguns seres humanos notáveis crescerem e tornarem-se pessoas felizes e produtivas.

Não estou isentando os pais de suas insubstituíveis responsabiliddes, que, irão contribuir decisivamente para a POSSIBILIDADE da felicidade dos filhos. Pelo contrário. Pais que se isentam de seus deveres, que batem, espancam, humilham, desrespeitam os filhos e a si próprios ou ao cônjuge, impedindo que as crianças desenvolvam um equilíbrio emocional básico, com certeza estarão criando condições que, na maioria dos casos, impossibilitarão aos filhos desenvolverem a CAPACIDADE de ser feliz. No entanto, a recíproca não é verdadeira. Olhemos à nossa volta: quantas são as pessoas que conhecemos, que em meio a uma família harmoniosa, responsável, presente e amorosa, por qualquer motivo mínimo que seja, se aborrecem, se revoltam, decretam e proclamam sua infelicidade para quantos queiram ouvir? Por outro lado, há aqueles que, em meio a adversidades conseguem lutar, reerguer-se, rir, apreciar uma música linda, um por do sol, um estar junto em silêncio, um sorriso...

Existem, portanto, condições que podem ser favoráveis ou não à felicidade, as quais, em boa parte são providas pelos pais. Uma outra parte, porém, depende de fatores que nada têm a ver com a ação da família: a situação social em que se vive; as oportunidades que a sociedade oferece em termos de educação, saúde, emprego e assistência social; a cultura onde se está inserido (por exemplo, uma sociedade onde a mulher é proibida de estudar, pode impedir completamente a felicidade daquelas que têm curiosidade intelectual, vontade de progredir, idéias próprias etc.) e, ainda, os eventos que ocorrem na sociedade e que influenciam a vida de cada um, como epidemias, guerras, acidentes.

Cada pessoa, dentro desse conjunto de variáveis e, de acordo com o seu modo de perceber o mundo, reagirá de forma totalmente diversa e individual. Não é à-toa que os pais com freqüência se perguntam, intrigados, como podem, no mesmo lar, ter filhos tão diferentes, com reações tão diversas e opostas perante a vida...

Os pais são os provedores de grande parte dessas condições objetivas (amor, segurança, alimentação, saúde, educação, justiça, limites, valores, equilíbrio e disponibilidade pessoal), que irão constituir o arcabouço sobre o qual, cada indivíduo, dotado de livre arbítrio, ecolherá seu caminho, que poderá resultar em felicidade ou não. A essas atividades, pais e mãoes deverão dedicar-se incansavelmente, durante anos a fio, para possibilitar o desenvolvimento harmônico dos filhos nos planos intelectual, emocional e físico. É sua obrigação e dela não devem se esquivar jamais.

No entanto, por mais que o façam com total e sincero empenho, nunca poderão garantir a felicidade dos filhos, nem a de ninguém, por que, como vimos, não são os fatores familiares os únicos a influir. E por que simplesmente quem decide se a vida será feliz ou não, é o próprio indivíduo, no dia-a-dia, pela sua maneira de agir e reagir ao que o atinge; pela forma como interpreta as atitudes próprias e as dos que o cercam; pela capacidade de tolerar e amar ou de apenas odiar e invejar; pela capacidade de analisar com insenção cada fato ou considerar o outro como o culpado sempre; pelo desejo de perdoar e compreender ou pela intransigência e a amargura; pela habilidade de esquecer e de lembrar; pelo desejo de aceitar o outro, e, especialmente pela capacidade de se alegrar com tudo ou de se entristecer por um nada...

Fonte: Tânia Zagury - Entrevista dada ao Jornal de Psicopedagogia
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