Mundo Mulher

As Drogas na nossa casa

Será que meu filho seria capaz de usar drogas? E se estiver usando, o que é que eu faço agora? Qual o pai de nossos tempos que conseguiu passar pela adolescência de um filho sem se fazer essas indagações? Desconheço. Com maior ou menor intensidade todos já sofreram com isso, de fato ou em pensamento.

Curioso que, hoje, apesar de muitos pais serem eles próprios da geração paz e amor, habituada ao convívio com as drogas, nem por isso se sentem menos incomodados em relação a seus filhos. Nesta geração a droga veio ocupar o lugar de destaque que o sexo tinha para a anterior. Lembram-se, há quinze ou vinte anos atrás, o que era para uma família ter uma filha "desonrada"? Pois é, neste sentido, esse termo perdeu sua significação.

O temor das famílias de hoje tem outro nome: droga. Só que tratar deste problema enfocando-o pelo nome, isto é, o problema é a droga, é como querer ser especialista na vida de golfinhos sem levar em conta se eles vivem no mar ou no ar. As drogas em si não significam nada, ou melhor, podem significar vida, cura, tratamento, quando pensamos em uma ciência, nada desprezível, que é a farmacologia.

Tenho muito ouvido falar sobre "as drogas na adolescência". Claro, concordo que, em geral, é aí que elas fazem sua introdução concreta, perceptível na vida do homem. Só que o golfinho está no ar, pois não foi nesse momento que a droga foi introduzida na vida da pessoa. Ela entrou muito antes, ou melhor, as portas da casa em que ela entrou foram abertas muitos anos antes. Vamos tentar localizar o golfinho dentro do mar.

Esse jovem, que hoje está usando droga, onde ele vive? Afinal, se dizemos que meninos de rua cheiram cola ninguém se espanta; até parece natural, em se tratando desses moradores sem morada. O problema é entender por que os filhos que não são da rua usam bebidas, cigarro, cocaína, maconha, crack, ecstasy, merla, LSD, ópio etc etc, a começar das mais antigas para a mais nova coqueluche da juventude abastada.

Vale fazer um parênteses pra lembrar que, em se tratando de drogas, tanto faz qual seja ela, do cigarro aos alucinógenos sintéticos, todas tem em comum, como o mais temível e real malefício, o fato de que viciam. Que fazem mal, todos sabem, inclusive os usuários mas, não é esse o principal problema, mas sim que, mesmo sabendo que fazem mal, o usuário se vê compelido a usá-la; isto sim, é o vício.

Então, será que não há elementos comuns entre a rua e a nossa casa?

O que é que há de ruim na rua capaz de fazer com que lá a droga pareça natural: abandono, desrespeito, hipocrisia, mentira, falta de amor, violência, lei de Gerson, permissividade, falta de regras, de limites?

E nas nossas casas?

O que acontece dentro delas?

Há respeito entre pai e mãe, entre pais e filhos, entre a família e a comunidade?

Há garantia de direitos preservadas, isto é, ninguém abre correspondência de ninguém, mãe não inspeciona os bolsos do pai, filho pede quando quer algo na bolsa da mãe, ninguém espiona e-mails, celulares, diários (ou a versão moderna de Orkut) de ninguém?

Todos pensam que falta um pra comer e que por isso precisamos garantir a parte dele?

Os filhos ajudam a manter em ordem o lar que habitam? Os pais ensinam e cobram esta ajuda, ou poupam demais as crianças em nome do estudo, fazendo delas "vagabundas doutas"?

Os assuntos são tratados com sinceridade, permitindo-se que cada qual assuma a posição que considera correta, ou para os adultos a mentira vale no lugar da explicação?

Pai e mãe aproveitam a ausência do outro pra elogiá-lo na frente dos filhos ou pra descer o pau?

Quando voltam da jornada de trabalho, pais se mostram satisfeitos com o dever cumprido ou se jogam sobre a primeira cadeira e dizem "ah, esse trabalho ta me matando!"?

Socialmente pais convivem com seus filhos, ou nas festas criam ambientes separados para ficarem mais "à vontade" longe dos jovens a quem deveriam estar ensinado o convívio social?

Pais se esforçam por serem exemplos a serem seguidos ou fazem o gênero "faça o que eu mando não o que eu faço"?

Os pais não têm vícios ou os vícios dos pais são os "socialmente aceitos"?

Pais são pessoas de respeito na comunidade ou são aproveitadores oportunistas? Pode estar certo, qualquer semelhança entre a rua e a nossa casa não é mera coincidência, é ponto urgente a ser corrigido.

Afinal, nenhum pai, penso eu, acha que seu filho não dará um tiro na cabeça porque jamais terá a possibilidade de pegar num revólver. Os revólveres, como as drogas, estão por toda parte, o mundo está cheio deles. Se eles existem, pais não podem ter o pensamento mágico (este sim próprio da infância) de que seus filhos, porque são seus, jamais voltarão uma arma contra si, ou contra o outro. Pois é justamente este o papel dos pais: ensinar a usar (e evitar é o melhor uso para muitas das coisas) tudo que no mundo está.

Assim, o enfoque mais pertinente deveria se dar sobre o vício e não sobre a droga.

Uma revisão sobre as questões do começo pode ajudar:

Será que meu filho seria capaz de usar drogas? Sim, seria. Qualquer pessoa, especialmente as mais jovens e, por isso mesmo, influenciáveis, se não tiver sido ensinada (limitada na exata medida), é capaz de tudo.

Outro aspecto, o fato dele ser seu filho não garante absolutamente nada a priori. Por outro lado, o fato dele ser seu filho, lhe dá a possibilidade de, através do exercício do seu papel de pai/mãe, formá-lo como pessoa.

Com ou sem vícios? Esta escolha é sua! E não se esqueça, até o amor pode ser um vício e levar o apaixonado ao suicídio.

Carmen Bruder é psicanalista. cbruderfonseca@hotmail.com


CURRICULUM VITAE RESUMIDO CARMEN MARIA BRUDER DA FONSECA Psicanalista com formação na Biblioteca Freudiana Brasileira - SP, é médica formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, bacharel em direito pela Universidade Católica de Goiás e advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Goiás. Especialista em Psicoterapia para Adolescentes e Adultos pelo Núcleo de Estudos em Psicologia e Psiquiatria - SP e em Administração Hospitalar pelo Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde - SP. MBA em Administração e Marketing pelo Instituto de Desenvolvimento Humano e Gestão Empresarial do Ministério da Educação - Brasília - DF.

Mundo Mulher
Mundo Mulher
Mundo Mulher
box_veja