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Ih, Esqueci Tudo!

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Falta de memória pode estar relacionado a estresse, cansaço, falta de interesse e depressão

Você é capaz de se lembrar do que comeu no café da manhã? E do capítulo da novela ou da notícia do jornal de ontem? Sabe que dia é hoje? Se não se lembra, se acha que anda ruim de memória, se esquecendo de tudo o tempo todo e que está doente, precisa saber um pouco mais sobre o assunto. O primeiro passo é lembrar-se de quantos anos você tem. Essa informação é importante porque, embora cada vez mais pessoas jovens se queixem de falta de memória (a impressão que se tem é de que estejamos vivendo uma epidemia), em pessoas com menos de 40, 50 anos, as alterações de memória estão associadas muito mais a um déficit de atenção.

"É comum, nessa idade, as pessoas queixaram-se de falta de memória, mas não é comum terem doenças relacionadas à perda de funções cognitivas (memória e raciocínio crítico, entre outras)", observa o médico e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Wilson Jacob Filho. As demências (como o mal de Alzheimer e a doença de Parkinson, que têm o comprometimento da memória entre seus sintomas mais significativos) costumam manifestar-se só a partir dos 60 anos.

Com o envelhecimento, o cérebro se modifica e isso interfere na memória. Há uma perda, mas ela é fisiológica, normal, associada à idade e acentuada pelo desuso. A memória costuma piorar, por exemplo, quando as pessoas se aposentam e passam a ficar mais tempo reclusas em casa. "Só 5% das pessoas com 60 a 65 anos têm perda de memória por doença", observa a geriatra Eliane Portilho Vêncio. "A essa perda de memória por causa da idade, dá-se o nome de esquecimento senescente benigno." Contra ele, ensina a geriatra, o melhor remédio é o exercício da memória. "Nossa memória, como ocorre com uma perna engessada, atrofia rapidamente sem o uso."

Antes dos 60 anos de idade, são poucos e bastante específicos os casos em que há comprometimento das funções cognitivas. A pessoa precisa sofrer um traumatismo craniano que comprometa áreas importantes do cérebro, desenvolver algum transtorno psiquiátrico ou contrair doença infecciosa que cause alterações neurológicas (neuro-sífilis e aids, por exemplo) para ter o problema. A memória pode ser comprometida por lesões vasculares cerebrais, disfunções da tireóide, carência de vitamina B-12, por uma doença chamada hidrocefalia de pressão normal e pelo uso de cocaína, maconha e álcool.

No mais e na maioria dos casos, o comprometimento da memória está relacionado a causa psicogênicas, como estresse, cansaço, falta de interesse e depressão (que também tem origem orgânica). "Das pessoas jovens que se queixam de falta de memória 90% têm, na verdade, falta de atenção", comenta o psiquiatra Wanderly Campos, preceptor do curso de Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás. A origem do problema, de acordo com o médico, quase sempre está relacionada às causas subjetivas.

"A avaliação médica especializada e criteriosa permite identificar causas de alterações na memória", comenta Wanderly Campos. Se as causas forem orgânicas, o paciente pode beneficiar-se do uso de medicamentos que permitem a melhora e até a cura de algumas doenças. Em determinadas doenças, os medicamentos são aliados a técnicas de reabilitação (veja quadro). Se as causas forem psicogênicas, recursos como terapia e exercícios físicos e de relaxamento oferecem bons resultados. Às vezes, basta tirar férias ou reorganizar a rotina de trabalho que as coisas já melhoram.

Há ainda as clínicas especializadas em memória. São cerca de dez no País. "Temos experiências excelentes com essas clínicas que ensinam exercícios para melhorar a atenção, fazendo com que a pessoa aprenda a usar melhor sua memória", cita Wilson Jacob Filho, da Universidade de São Paulo (USP). Jacob e todos os outros especialistas consultados pela reportagem informam que não há remédios para melhorar a memória. Há remédios para as doenças que prejudicam a memória, não especificamente para a falta de memória.

'Certo dia, deixei minha mulher no cinema'

É importante também observar que temos vários tipos de memória. "A memória declaratória, aquela que nos diz o que fazer, é uma das mais afetadas quando estamos cansados, estressados ou ansiosos", cometa o psiquiatra Wanderly Campos. Por isso, é comum, por exemplo, que esqueçamos de deixar resultados de exames no médico quando nos dirigimos ao trabalho. "A memória de procedimento, que é a responsável por nossos hábitos, costuma falhar menos." Se nos distraímos no caminho, somos automaticamente levados ao trabalho mesmo que tenhamos planejado passar antes no consultório.

Esse tipo de problema costuma ocorrer com freqüência com um jornalista, que prefere não se identificar. Ele vive esquecendo a mulher. "Certa vez, a deixei no cinema e voltei para casa. Outro dia, pedi que ela aguardasse na porta do trabalho enquanto ia ao banco tirar um extrato. Fui embora e a larguei lá, plantada. Ela ficou muito brava."

Parlamentar conhecida - ela prefere omitir o nome para evitar má impressão dos eleitores - quando estudante, ia todos os dias de ônibus para o Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG). A viagem demorava 40 minutos e não era confortável. Ficou feliz da vida quando, finalmente, comprou um carro. O entusiasmo não foi suficiente para, ao final da aula, fazê-la recordar-se de que estava "motorizada". Largou o carro na faculdade e voltou para casa de ônibus.

A auxiliar de serviços gerais Edir Soares de Castro, de 46 anos, tem fama de distraída, mas diz que a situação piora quando está sobrecarregada de trabalho. Casada, cinco filhos, ela criou três deles sozinha porque se separou do marido. O estresse fez com que ela, uma vez, esquecesse a filha de 6 anos dentro do ônibus. "Quando pisei na calçada, me lembrei que estava com ela. Corri atrás do coletivo, mas não deu tempo. Tive de tomar o que vinha atrás. Cheguei ao terminal, ela estava lá, chorando", conta.

Falhas na memória como as descritas podem ser corrigidas com um pouco de organização e planejamento de tarefas. "Idosos de boa memória usam estratégias muito interessantes", observa o médico do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Wilson Jacob Filho. "O mais óbvio é que anotem os compromisso do dia. Mas é comum estabelecerem relações que facilitam guardar determinados eventos". Ligam o nome de alguém a quem foram apresentados ao de um parente, por exemplo. "O jovem, por acreditar que sua memória é infalível, não usa essas regras e se esquece do que deveria fazer."

Interesse interfere na memorização

É cultural. A queixa de falta de memória quase sempre é relacionada à idade. Mas, muita gente foi distraída a vida toda e nunca se deu conta. É o caso da auxiliar de serviços gerais Edir Soares de Castro, que esqueceu a filha no ônibus. Só agora, aos 46 anos, ela se preocupa com o esquecimento. Mas desde a infância, tem fama de distraída. Quando criança, sempre perdia borrachas e material escolar e poucas vezes se lembrava de fazer as tarefas de casa.

Por que algumas pessoas são mais esquecidas que as outras? "Pelo mesmo motivo que algumas pessoas têm cabelos lisos e outras, cabelos crespos, algumas são altas e outras, baixas", explica o diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Uma boa ou uma má memória também está relacionada ao interesse da pessoa pelo assunto a ser lembrado. O médico explica que é por isso que as mulheres sempre notam detalhes do cabelo e da roupa de outras mulheres, enquanto os homens têm dificuldade para perceber as mudanças na própria mulher ou namorada. Dependendo da área de interesse, as pessoas tendem a exercitar um tipo de memória mais que outro. Com exercícios e técnicas de memorização é possível melhorar.

O processo de memorização depende da captação da informação. Em crianças, a dificuldade de memorização de conteúdos na escola pode estar ligada a um déficit de atenção, que acompanhado de hiperatividade recebe o nome de TDAH. Trata-se de um pequeno defeito no funcionamento do cérebro que impede a criança (e o adulto também) de fixar a atenção. Como não conseguem prestar atenção, os portadores de TDAH não memorizam os conteúdos.

O problema deve ser diagnosticado pelo médico e tratado. Adultos com déficit de atenção costumam ter dificuldade de dirigir em estradas, especialmente as que têm retas longas e pouco movimento. Mas dirigem relativamente bem na cidade porque precisam ficar atentos a cada esquina. Independentemente da origem da falta de memória, os especialistas consultados afirmam que um médico deve ser consultado assim que o problema começar a interferir na vida pessoal, laboral ou social do indivíduo. O neurologista e o psiquiatra são os mais indicados para tratar o problema ou encaminhar o paciente.

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