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10º Dragão Fashion Brasil

10º Dragão Fashion Brasil

A união dos retalhos

10º Dragão Fashion Brasil, em Fortaleza, destacou a técnica artesanal do patchwork, que sobrepõe retalhos. Rendas e bordados também estão em voga

19/04/2009

Uma moda ditada por retalhos – ou melhor, pela composição artística e regional de trapos e panos – não poderia surgir do eixo Rio–São Paulo. Saiu das passarelas de Fortaleza (CE), onde uma rica indústria têxtil alimenta tendências com um toque essencialmente regional. Na décima edição do Dragão Fashion Brasil (DFB), evento realizado na segunda semana de abril e que tenta se apresentar nas mesmas proporções do São Paulo e do Rio Fashion Week, mas no Nordeste brasileiro, prevaleceu a técnica artesanal do patchwork, que nada mais é do que a união de retalhos.

O patchwork casa bem com o que propõe a moda para estes outono e inverno. Os anos 70 desfilaram nas salas do Centro de Convenções de Fortaleza e vão ganhar as ruas, se depender da veia criativa dos estilistas que fizeram o DFB. Os regionalismos, aquele toque de brasilidade escondido em rincões, em áreas sempre vistas como periféricas, também são esperados nas roupas de homens e mulheres.

Este é o inverno das rendas, dos bordados, das estampas. Das rendas com os bordados. Dos bordados com as estampas. Da união de retalhos.

Tão diferentes, os 24 estilistas que apresentaram suas coleções no DFB se aproximam por não abrirem mão de uma moda autoral. O DFB é uma manifestação artística, e é melhor enxergar assim, não ver os desfiles apenas como apresentações de marcas em ascensão. Em quatro dias de desfiles, que ocorriam em três salas diferentes (sempre lotadas), o desafio era tentar compreender os pensamentos de quem faz moda de uma forma tão particular. No DFB, a moda se mostrou como a arte do exagero.

A estilista Melca Janebro, instalada na Praia de Iracema, em Fortaleza, costurou retalhos e nomeou sua coleção com essa expressão: Costurando Meus Retalhos. “É na união de cada pedacinho, no entrelaçar das linhas, na mistura das estampas que se forma uma autêntica colcha de retalhos”, define a artista. Para ela, esse jeito de fazer moda é nostálgico, alimenta lembranças, e foi o que se viu materializado na passarela. Lá estavam o cetim, lenços, o crochê, faixas na cabeça, o xadrez, o floral e acessórios hippies.

A mesma visão de uma artista cearense se comunicou com as ideias de um estilista argentino, Andrés Baño. Ele é direto: “Esta é uma coleção sobre patchwork. A minha primeira decisão foi a de trabalhar com muitos tipos de tecidos, malhas, estampas, texturas e cores.”

Baño apresentou roupas simples e poucos acessórios. O processo de produção do argentino é intencionalmente artesanal. Ele prepara estampas, tinge os tecidos, corta-os em tiras ou pequenos pedaços para, então, fazer a costura. “Trabalhei de uma forma artística sem me preocupar com padrões.” Se não há padrões, as roupas estão ora coladas ao corpo, ora soltas e mais confortáveis.

A referência não poderia ter sido outra: “Durante meu processo de criação ouvi músicas dos anos 70.”

Praia
O patchwork está também na moda praia neste outono. São mais estampas e mais tecidos artesanais, tanto para o homem quanto para a mulher. Os retalhos chamam a renda, num inverno quente como o nordestino e – perfeitamente adaptável – como o do Centro-Oeste brasileiro.

Gilvânia Monique, do Ceará, inspirou-se nas mulheres rendeiras para confeccionar a coleção deste inverno. Mais uma vez o sentimento evocado é o de nostalgia, e Gilvânia não economizou renda, seda, algodão e palha – em acessórios como bolsas e chapéus – para despertar esse sentimento.

Roberta Arruda somou às rendas bordados e apliques, tudo feito à mão. O cearense Lindebergue Fernandes incorporou referências dos índios brasileiros nas roupas. Tantas referências resultaram numa composição que buscou ser, ao mesmo tempo, comercial, regional e artística. A moda do Nordeste tem uma veia criativa própria.

Inspiração em paredes, nos EUA, na Rússia

O Popular / Vinicius Jorge Sassine
De Fortaleza
Foto: Roberta Braga/AGKFK - Samuel Cirnansk: cores fortes em desfile marcado pela sofisticação

No Dragão Fashion Brasil (DFB), sobrou inspiração. Os organizadores gostam de ressaltar que realizam o “maior evento de moda autoral do Brasil”. Nem precisava dizer. Das passarelas saem as ideias mais malucas. Algumas produzem roupas usáveis. Outras se resumem a uma expressão artística ou a uma tentativa fracassada de produzir uma tendência.

Uma coleção de inverno se inspirou em paredes. Sim, em paredes, “silenciosamente presentes no nosso cotidiano”. Outro estilista, empolgado com a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, levou para suas roupas símbolos do ufanismo norte-americano, país orgulhoso por seu novo presidente mas humilhado por uma crise econômica sem precedentes desde a quebra de 1929. O ponto de partida da coleção é o futebol americano. Assim, por causa de Barack Obama e do esporte completamente impopular por aqui, as ombreiras aparecem nos vestidos desenhados pelo estilista cearense Weider Silveiro.

Ronaldo Silvestre foi influenciado pela cantora Maria Callas, que, para ele, é “um dos fenômenos mais importantes do mundo artístico do século 20”. Já o pernambucano Walério Araújo investiu no que ele chamou de “rock medieval”: o metal sonoro aparece nas roupas, com ícones do rock estampados em camisas e calças. Em pleno Nordeste brasileiro, o paulista

Samuel Cirnansck não se intimidou em levar o inverno russo para a passarela do DFB. Até a neve foi reproduzida num cenário de galhos secos, comidos pelo frio.

A ousadia do mineiro João Pimenta chamou mais a atenção do que o frio russo de Samuel. A moda masculina de João Pimenta tem traços femininos. A silhueta saiu de modelagens que estão no guarda-roupa de qualquer mulher. Cintura e quadril em evidência, seda, cetim e crepe trabalhados, e haja coragem para encarar uma roupa produzida pelo mineiro. Entre os modelos que apresentaram as peças, obrigados a desfilar com os braços flexionados, rentes à cintura, o comentário não foi outro após o desfile. Acharam tudo estranho demais.

Em duas coleções, a metalinguagem resumiu bem o espírito mais artístico da moda. Os estilistas assumiram que não havia, ali, nenhuma tendência, e sim “desconexões”, “fusões” de estilos, texturas e cores. Foi o caso da marca Handara, para quem “a moda caminha cada vez mais para a democratização e a individualização do consumidor”. Thais Asfora, da Madame Surtô, também pensa assim: “São peças sem estação, sem idade, sem nacionalidade, sem data.”

O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ORGANIZAÇÃO DO EVENTO

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