Mundo Mulher

ARCHIMEDES ABSOLVE LAMPIÃO Por Severino Coelho Viana

 


31/07/2012

Por Severino Coelho Viana

O livro “LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE”, de autoria de
Archimedes Marques, nós consideramos  a contrariedade do libelo-acusatório ao
livro “LAMPIÃO – O MATA SETE”, de autoria de Pedro de Morais. Se tivéssemos a
oportunidade de participar de um julgamento, fundamentado nas provas concretas
constantes nos autos, nós absolveríamos o livro "LAMPIÃO CONTRA O MATA
SETE”, pelo o conteúdo irrefutável, e, por via de consequência, condenaríamos o
livro “LAMPIÃO – O MATA SETE”, que se baseou tão somente em vagos indícios
orais, na visão do autor e que lhe foram revelados por fontes frágeis de uma
sustentação plausível.

O escritor Archimedes Marques usou uma linguagem
corrente de fácil compreensão. Além dessa linguagem de cunho jornalístico
transformou em palavras eloquentes porque soam a verdade dos fatos. Rebuscou
o aprofundamento na verdade histórica com o devido cuidado de citar a fonte de
onde retirou a informação. Não emitiu juízo de valor porque tinha material
suficiente para provar  e comprovar  a sua verdade. Mostrou ser um pesquisador
obstinado, um zeloso pelo manancial abundante do cangaço, e, sobretudo, um
relator que usa a decência para expor o fato com a naturalidade dos
acontecimentos  chegando  repetir a lição com o reforço da pergunta nas suas
justificativas. Não se apegou a pequenez, nem distorceu o conteúdo, nem
tampouco contrariou a história, simplesmente, foi verdadeiro.

Por seu turno, as linhas tortuosas do livro o “LAMPIÃO – O
MATA SETE”, infelizmente, o autor esqueceu o rumo da história do cangaceirismo,
de modo diverso, tentou contrariá-la, afastou o seu roteiro, escondeu os caminhos
claros e andou pelas veredas. Trouxe um conteúdo que não interessa a ninguém,
muito menos aos amantes, pesquisadores, curiosos da história do cangaço no
Nordeste brasileiro. É patente a premeditação do enredo em busca do ataque. A
partir do primeiro capítulo e quando chegou ao último capítulo à emissão de juízo
de valor subjetivo pelo autor fluiu de forma exacerbada que faz os pelos do leitor
se arrepiar a ponto do tamanho do sobressalto e cair no campo da indignação.
O nosso entendimento sobre a história do cangaço,
percebemos que a sua existência verificou-se entre o final do século XIX e começo
do XX  quando  surgiram, no  Nordeste brasileiro, grupos de homens armados
conhecidos como cangaceiros. Estes grupos apareceram em função,
principalmente, das péssimas condições sociais da região nordestina. O latifúndio, 2
que concentrava terra e renda nas mãos dos fazendeiros, deixava às margens da
sociedade a maioria da população.

Desde o século XVIII, com o deslocamento do centro
dinâmico da economia para o sul do Brasil, as desigualdades sociais do Nordeste
se agravaram. Entretanto, no sertão, onde predominava a pecuária, consolidou-se
uma forma peculiar de relação entre grandes proprietários e seus vaqueiros. Entre
eles, estabeleceram-se laços de compadrio (tornavam-se compadres), cuja base
era a relação de fidelidade do vaqueiro ao fazendeiro, com este dando proteção
em troca da disponibilidade daquele em defender, de armas nas mãos, os
interesses do seu patrão.

Os conflitos eram constantes, devido à imprecisão dos
limites geográficos entre as fazendas e às rivalidades políticas, transformadas em
verdadeiras guerra entre poderosas famílias. Cada uma destas fazia-se cercar de
jagunços (capangas do senhor) e de cabras (trabalhadores que ajudavam na
defesa ), formando verdadeiros exércitos particulares.
Nos últimos anos do Império, depois da grande seca de
1877-1879, com o agravamento da miséria e da violência, começaram a surgir os
primeiros bandos armados independentes do controle dos grandes fazendeiros.
Por essa época ficaram famosos os bandos de Inocêncio Vermelho e de João
Calangro.

Contudo, somente na República o cangaço ganhou a forma
conhecida, com  Virgulino Ferreira da Silva, o  Lampião. Que aterrorizou o
nordeste de 1920 a 1938. Havia uma razão para esse fato. Com a proclamação da
República em 1889, implantou-se no Brasil o regime federalista, que concedeu
uma ampla autonomia às províncias, fortalecendo as oligarquias regionais. O
poder dessas oligarquias regionais de coronéis se fortaleceu ainda mais com a
política dos governadores iniciada por Campos Sales (1899-1902). O poder de
cada coronel era medido pelo número de aliados que tinha e pelo tamanho de seu
exército particular de jagunços.

Esse fenômeno era comum  em todo o Brasil, mas nos
estados mais pobres, como Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte,
os coronéis não eram suficientemente ricos e poderosos para impedir a formação
de bandos armados independentes. Foi nesse ambiente que nasceu e prosperou o
bando de Lampião, por volta de 1920, coincidindo o seu surgimento com a crise
da República Velha. Depois da morte de Lampião, em 1938, nenhum outro bando
veio ocupar.

Portanto, podemos entender o cangaço como um fenômeno
social, caracterizado por atitudes violentas por parte dos cangaceiros. Estes, que
andavam em bandos armados, espalhavam o medo pelo sertão nordestino.
Promoviam saques a fazendas, atacavam  comboios e chegavam a  sequestrar
fazendeiros para obtenção de resgates. Aqueles que respeitavam e acatavam as
ordens dos cangaceiros não sofriam, pelo contrário, eram muitas vezes ajudados. 3
Esta atitude fez com que os cangaceiros fossem respeitados e até mesmo
admirados por parte da população da época.

O cangaceiro - um deles, em especial, LAMPIÃO tornou-se
um personagem do imaginário nacional, ora caracterizado como uma espécie de
Robin Hood, que roubava dos ricos para dar aos pobres, ora caracterizado como
uma figura pré-revolucionária, que questionava e subvertia a ordem social de sua
época e região.

O nosso livro  - “A VIDA DO CEL. ARRUDA
CANGACEIRISMO E COLUNA PRESTES”, que este teve já vários enfrentamentos
com o bando de Lampião, nós contamos o fato da história do ferimento no
calcanhar de Lampião que passamos a reproduzir:
“Uma outra astúcia e habilidade de Lampião. Lampião vinha
a cavalo com Antônio Ferreira, em dois cavalos meeiros,
esquivadores, o Teófanes de Ferraz, o mesmo que prendeu
Antônio Silvino, em Taquaratinga-PE, vinha com oitenta
praças. Encontravam-se nos espigões das serras: Serra
Pintada e Serra do Catolé. A força volante deu uma
descarga e Lampião deitou-se no „santo Antônio da cela?, e
saiu atirando com o mosquetão para trás e recebeu um
balaço no calcanhar. Desse balaço, os cangaceiros fizeram
um rancho no mato, na ponta da serra. Depois Cícero Costa
visitou o Lampião. Tinham dezesseis cangaceiros. Lampião
anda nu, da cintura para cima, de cueca, de quatro pés, não
podia se firmar em pé, sendo tratado por um raizeiro,
conhecido por Valões. O Teófanes tomou conhecimento do
rancho, voltou novamente e atacou o rancho. Não o cercou
porque não tinha lugar disponível para o cerco. Nesse
tiroteio morreram Cícero Costa, o Lavandeira, tendo os
cangaceiros despitados, conduzindo nos braços Lampião e
Antônio Ferreira. Adiante, quiseram deixar Antônio Ferreira,
porque já quase morto com um balaço em cima do peito.
Foi quando Lampião reagiu:
__ Não, se deixar o meu irmão, eu prefiro ficar com ele  e
morrer com ele.
Durante a noite tinha chovido muito e caiu um grande pau
de angico enramado. Imediatamente Lampião sugeriu:
__ Vocês me deixem aqui debaixo desse angico e saiam
deixando vestígio.
Ora, o plano fora um feito admirável. A força volante saiu
atirando atrás, passou por cima dos galhos de angico com
Lampião embaixo. Os cangaceiros levaram Antônio
Ferreira. No dia seguinte, Lampião com sede e com fome,
vinha um vaqueiro puxando uma vaca. Uma vaca
chocalhada, aboiando e Lampião começou a gritar.  O
vaqueiro aproximou-se. Era o vaqueiro João Menino,
pertencente ao engenho Montevidéu. O Lampião mandou
buscar leite. O João Menino veio e ele disse que fosse a
Patos avisar a Marcolino. Patos se refere a Patos de 4
Princesa, e não Patos Espinhara. Marcolino juntou sessenta
homens e mandou buscar em redes, Lampião e Antônio
Ferreira que se escondera em outro ponto. O Antônio
Ferreira, apesar do ferimento mais grave, ficou bom, dentro
de três meses já andava e conversava. Mas Lampião levou
seis meses na casa  de Luis Leão, sendo tratado por dois
médicos. Luis Leão morava no sopé da Serra de Triunfo,
casa grande, caiada, mas vivia em Princesa. Os médicos
chamavam-se Dr. Severino Diniz e Dr. João Lúcio. Toda
manhã o Sabino saia com uma bolsa de ferramenta, num
burro e o Severiano a cavalo preto „estrela? e iam fazer os
curativos de Lampião”. (fls. 38/39).
Nesse sentido - heroico/mitológico - o cangaço é precursor
do banditismo que ocorre atualmente nos morros do Rio de Janeiro ou na periferia
de São Paulo, onde chefes de quadrilhas também são considerados muitas vezes
benfeitores das comunidades carentes.

Outro livro de nossa autoria “O PODER DA CIDADANIA”,
assim explicávamos que o cangaço não acabou:
“O antigo e autêntico cangaceiro nordestino caracterizava-se  pela sua
indumentária: roupa de cáqui, chapéu de couro, com as abas quebradas
para cima, duas cartucheiras cruzadas no tórax e uma cercada nos
quadris, um rifle, uma pistola, um facão afiado, um bornal, um par de
sandálias de rabicho, cabelos puxados à brilhantina, cordão de ouro e o
pescoço envolto de patuás e vivia no meio das caatingas ressecadas do
sertão.
Enquanto que o novo e moderno cangaceiro, que atua em todas as
regiões, o distintivo é sua vestimenta de etiqueta, paletó, gravata,
sapatos macios, relógio de marca, cabelos escovados, frequenta hotéis
e restaurantes de cinco estrelas, mansões e palácios, gabinetes e
escritórios notórios, utiliza celular, Internet e televisão, municiado de
armas de fogo de alto potencial ofensivo, dinheiro depositado em contas
secretas no exterior, desvios e gastos excessivos do dinheiro público.
Mudou somente o perfil do cangaceiro da Antiguidade para o gangster
da modernidade.
A título de ilustração, trazemos à baila, com o fito de arregimentar o
nosso artigo, comentários de pesquisadores na matéria e como
analisaram o mundo do cangaceirismo”:
Na visão de Billy Jaynes Chandler:
“O cangaço era um fenômeno exclusivamente do sertão”.  “Sem
encontrar garantia de proteção nem do patrão, nem do Estado,
muitas dessas povoações do sertão se transformaram em
verdadeiras selvas, onde cada um lutava pela sua sobrevivência.
Parece, portanto, que o aparecimento do cangaço esteja
intimamente ligado a este estado de desorganização social”  ... 5
“Naquele tempo, a polícia era quase igual aos bandidos, e buscas
como estas significavam a destruição quase total das casas e de
seus conteúdos, além de maus-tratos aos seus habitantes
1
”.(fls.
167/168).
Parabéns!  Archimedes Marques, o livro de sua autoria
“LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE”, de forma resumida, mas autêntica, resgate
toda a história verdadeira do cangaço no Nordeste brasileiro, que os grandes
pesquisadores já haviam contado nos livros publicados anteriormente, no entanto,
serve também como fonte ideal para os novos aprendizes questionarem este
fenômeno social de sangue, suor e lágrimas.
João Pessoa, 25 de julho de 2012.
SEVERINO COELHO VIANA
scoelho@globo.com
                                               

CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião – O Rei do Cangaço, 4ª. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro,  2003,

Mundo Mulher
Mundo Mulher
Mundo Mulher
box_veja