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La Fura dels Baus - Flávio Paranhos

La Fura dels Baus - Flávio Paranhos

06/03/2014

Flávio Paranhos

La Fura é uma companhia de teatro espanhola (ou devo dizer catalã?) que trabalha com bastante tecnologia em seus espetáculos. A melhor versão que existe para o Anel dos Nibelungos, de Wagner, é dela. Chega a ser covardia, faz a gente pensar que arte precisa de dinheiro, muito dinheiro pra ser espantosa. Sim, espanto é a palavra, no sentido filosófico, evidentemente, não no sentido filme-B. Os gigantes são gigantes mesmo, as valquírias impõem muito mais, de cima do aparato a elas destinado, assim como Wotan e Fricka, a neurastênica.

Um caso à parte são os figurantes. La Fura faz uma série de montagens com seus corpos, numa espécie de balé-escultura (balé escultural?) belíssimo. Como são muitos, e os efeitos especiais perfeitos, a imagem nos cola na retina para nunca mais sair. O final do primeiro dia (Das Rheingold) é particularmente especial (ou será especialmente particular?), com uma espiral deles se fechando sobre os deuses, junto com as últimas notas.

Não foi surpresa, portanto, que os ingressos para a apresentação da Sinfônica de São Paulo no Municipal, no dia 15 de fevereiro, tenham se esgotado e obrigado a abrir mais um dia. John Neshling teve a iluminada ideia de ilustrar sua versão da Trilogia Romana, de Ottorino Respighi, com um vídeo de autoria da Fura dels Baus.

Feste Romane. Circenses, Il Giubileo, L’Ottobrata. O homem-estátua se angustia dentro do círculo de fogo. Nós, com ele. A música evoca colosso. Conosco? A estátua se quebra. Nós também? Não. Muitas pessoas, silhuetas, que então se transformam em letras. Impossível não lembrar dos traços de Lee Ufan em grandes quadros brancos. Associação espúria? Não existe impertinência enquanto se absorve arte. Uma vista panorâmica de Roma.

Fontane Di Roma. La Fontana Di Valle Giulia All1Alba, Di Tritone Al Mattino, Di Trevi Al Meriggio, Di Villa Medici Al Tramonto. Sem dúvida os trechos mais bonitos. Efeitos especiais com água e corpos nus, sem cor. As fontes vão se revelando aos poucos, como extensão dos corpos. Muita água.

Pini Di Roma. I Pini Di Villa Borghese, Presso una Catacomba, Del Gianicolo, Della Via Appia. Apolo e Daphne nus, numa floresta de pinheiros. Daphne é uma moça de uma beleza lacrimejante (que faz lacrimejar, dá licença?), seios desenhados à tinta nanquim, por Deus em pessoa, que achou melhor não delegar essa tarefa a ninguém. Apolo a persegue. Daphne não se entrega, vira um pinheiro. O pinheiro mais sensual que já existiu. Ao final, a única parte que destoa, por ter me feito lembrar do Senhor dos Anéis, com as árvores caminhando na Via Appia. Nada a ver. Pena.

Mas não nos esqueçamos, a protagonista era mesmo a Sinfônica de São Paulo. Absolutamente impecável. John Neshling deveria fazer uma parceria mais pra valer. Quem sabe fazer no Brasil a versão da Fura proAnel?

Flávio Paranhos é médico e escritor - flavioparanhos@uol.com.br

Publicado em O Popular

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