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Fígado com jiló - Flávio Paranhos

Fígado com jiló - Flávio Paranhos

16/08/2014

 

Na antevéspera do Dia dos Pais, uma sexta-feira à noite, tive um momento especial com uma de minhas filhas, Luísa, a mais velha. Carolina não foi, não aguentaria o programa tarde da noite e preferiu ficar em casa. Fomos assistir a um show de uma banda cover de ACDC, a Hivo, da qual nunca tinha ouvido falar, mas, que diabos, por que não dar uma chance?



Não nos arrependemos. Pra minha grata surpresa, os rapazes são competentes e nos proporcionaram bons momentos de rock de qualidade. Mas a noite ficou perfeita mesmo com a cumplicidade entre mim e minha filha, na hora de escolher o tira-gosto. Juntamo-nos “contra” minha esposa para decidir: fígado com jiló. Absolutamente divino, iguaria dos deuses. No cardápio do bar (Cerrado Bar, se não me falha a memória), abaixo do nome do prato vinha a observação: “Um dos mais vendidos da casa”. Minha esposa, que tinha se garantido com pizza antes, fez um muxoxo e disse: “Aposto que está escrito isso aí pra fazer alguém pedir essa coisa abominável”. Talvez ela não tenha dito “abominável”, mas a cara dizia.

Fiquei com saudade de quando minhas filhas, ainda pequenas, sentavam-se ao meu lado na sala de casa para ver ópera comigo, sábado à tarde. Hoje, uma adolescente e outra pré-adolescente, não fazem mais isso. Minha sorte é que tenho gosto musical eclético e acompanho ambas (rock, a mais velha, sertaneja, a mais nova).

Daí a saudade voltou mais um pouco no tempo e me lembrei das longas viagens de carro a praias do Espírito Santo, meu pai ouvindo e cantarolando óperas, e nós quatro atrás, quebrando o pau toda vez que “o short dele encostou na minha perna”, ou “tá na minha vez de ir deitado no chão do carro”. Ou ainda qualquer outra coisa, já que a viagem durava dois dias (parando para dormir no caminho), tempo suficiente para meus pais considerarem seriamente se haviam tomado a decisão correta de ter os outros três, já que teria sido melhor ficar no primeiro (euzinho, evidentemente).

Como memória tem razões que a razão desconhece, a minha foi parar em BH, no tempo da residência médica em oftalmologia. Vi-me com a mão cheia de fichas de telefone (se não me engano, cada uma durava 3 minutos), ligando pra casa pra matar dúvidas com meu pai. Tive a felicidade de ter vários ótimos professores de medicina na vida, mas, eles que me perdoem, o melhor, disparado, foi (e ainda é) Dr. Augusto. Que, por sinal, cantarolava ópera errado. Dizia “brindiamo” em vez de “libiamo” (de sua ária preferida da La Traviata – Libiamo ne’ Lieti Calici).

Voltando ao hoje. Luísa está partindo pro Canadá, em intercâmbio. De agora em diante, toda vez que ouvirmos ACDC teremos canadite. Luísa, de Tom Jobim, então, passará a ser proibida dentro de casa, sob pena de minha esposa desidratar de tanto chorar. Ainda bem que não teremos de comprar um monte de fichas telefônicas.

Publicado em O Popular

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