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Pequeno guia de museus em Nova York e Boston

Pequeno guia de museus em Nova York e Boston

14/08/2011

 Flávio Paranhos


Há basicamente quatro tipos de frequentadores de museus. Os turistóides, que não dão a mínima pra arte, mas fazem questão de “carimbar o passaporte”.  O turista curioso, que não é tão ligado assim em arte, mas gosta de sempre dar chance. O amante da arte, que prefere mil vezes repetir uma visita a um bom museu do que fazer city tour. E os profissionais
 
Sei bem que só a ideia de um leigo se propor a fornecer um guia de museus, particularmente de arte, ainda que pequeno, já soa pretensiosa para alguns, os, digamos, profissionais. Pois isso faz tanto sentido quanto dizer que apenas escritores podem opinar sobre livrarias. Então dá licença que eu quero passar com minhas opiniões.      


Há basicamente quatro tipos de frequentadores de museus de arte. Os turistóides, que não dão a mínima pra arte e acham até muito chato, mas fazem questão de “carimbar o passaporte”. Esses são uma praga que infesta museus de todo mundo com suas máquinas fotográficas e conversas altas, sua preferência pelo que é famoso. Há o turista curioso, que não é tão ligado assim em arte, mas gosta de sempre dar chance e acaba se surpreendendo. Há o amante da arte, estudioso diletante, que prefere mil vezes repetir uma visita a um bom museu do que fazer city tour ou coisa parecida. Finalmente, há os profissionais, entendidos aqui tanto como os artistas, quanto os críticos e/ou formados academicamente no assunto. Esse guia dirige-se para as duas categorias do meio.


Antes de falarmos dos museus de arte, algumas palavras sobre os outros. O “The American Museum of Natural History” fica na Central Park West, em frente ao Central Park, bem no rumo do “Metropolitan Museum of Art”, do outro lado do parque, na quinta avenida, o que é ideal para os turistóides, pois carimbam o passaporte duas vezes num mesmo dia, ou menos. Eu já fui mais ligado em zoologia, arqueologia, essas coisas, mas não sou mais. Meu interesse nesse tipo de museu, portanto, é do tipo “turista curioso”. Há exposições temporárias boas para crianças, como a sobre o funcionamento do cérebro, por exemplo. Desaconselho ver o filme do planetário. Não porque seja ruim, pelo contrário, é bem bacana. Mas você ouvirá o tempo todo falar em milhões e bilhões de anos, morte de planetas, enfim, sairá de lá com uma depressão ozymandíaca. No mínimo, estragará seu almoço. Uma diversão à parte é achar os pontos que aparecem no filme “Uma Noite no Museu”.


Ainda de história natural, há o da Universidade Harvard, em Cambridge (cidade separada de Boston apenas pelo rio Charles), também muito bacana. Está acontecendo no momento uma exposição de plantas feitas de vidro. Inacreditável. Os detalhes te fazem “trucar” que seja vidro mesmo. Também interessante a exposição de minerais do mundo todo, inclusive, claro, o Brasil. A poucos passos dali, está o “Harvard Museum of Art”. Diferentemente do de história natural, o de arte de Harvard é bem fraquinho, pequeno. Há um Pollock que parece miniatura dos Pollock do Metropolitan e MOMA, de Nova York. Ainda por cima, até setembro uma das galerias está fechada, se preparando para uma exposição visitante. Para chegar a esses museus é só pegar o metrô da linha vermelha, que atravessa o rio Charles (uma vista maravilhosa de Boston durante a rápida travessia na superfície), parando na estação Harvard Square. Esse é o endereço, por sinal, de uma das melhores livrarias que conheço, a Harvard Coop. Vários andares, várias seções, uma delícia.


Em Boston temos pelo menos três paradas obrigatórias: o “Museum of Fine Arts”, o “Institute of Contemporary Art” (ICA) e o “Isabella Stewart Gardner Museum”. Pegando a linha verde do metrô e parando na estação Fine Arts, chega-se a dois deles, o Fine Arts e o Isabella Stewart. Apesar disso, não acredito que os turistóides se aproveitarão, pois o Isabella Stewart não tem nada famoso o suficiente para merecer o carimbo em seus passaportes. O que não deixa de ser uma vantagem, pois assim os demais têm alguma calma para apreciar não só a beleza do museu, que tem um jardim central espetacular (o “Gardner” do nome tem sentido duplo, sendo jardim e também o sobrenome do marido dela), mas belíssimas obras de arte compradas pela milionária Isabella. Há um Velázquez (por sinal, o mesmo Velázquez que há no “Metropolitan” e no “Fine Arts”, um retrato do rei Felipe IV), há Rembrandt, Rafael, etc, e meu pintor americano favorito, John Singer Sargent, autor de um belo retrato de Isabella, que ficou proibido de exibição pública pelo marido enquanto era vivo porque a desenhava sensual demais. Há uma pequena desvantagem nesse museu. Como era a casa de Isabella, as salas, apesar de grandes, nem sempre expõem bem as obras, sendo que algumas mal dá pra ver.
 


O “Museum of Fine Arts” é o melhor de Boston. Acaba de inaugurar uma ala para “Arte das Américas”. Nem adianta ficar bravo por ser a do Norte e, mais especificamente os Estados Unidos, muito mais representados do que os demais. A representação brasileira é pífia, nem me lembro direito o que tem de nosso lá. O que vale a pena são os quadros de Sargent, particularmente o “As filhas de Edward Darley Bolt”, que nos remete ao “As meninas”, de Velázquez, no Prado, em Madrid. Mais interessante ainda (embora triste) é ouvir do guia a história daquelas quatro meninas. A sala dos impressionistas é a melhor de todas, claro, embora a comparação com o Metropolitan de Nova York seja covardia. Com destaque para os Monet, pintor preferido de minha esposa. E por falar nele, está acontecendo uma exposição que coloca, frente a frente, as cinco “Catedrais de Rouen” dele, com as cinco de Lichtenstein. Outra covardia. Um detalhe curioso, apontado pelo jornal “Boston Globe” e constatado por mim mais de uma vez, é que a sala não é muito larga, mais parece um corredor. Então, quando as pessoas se afastam para enxergar melhor os Lichtenstein, chegam muito perto dos Monet, fazendo o alarme tocar. Eu mesmo provoquei duas vezes, a primeira de propósito, pra testar a distância segura, a segunda sem querer mesmo. O contrário não acontece, pois os Lichtenstein, no lugar de alarme, têm uma cerquinha impedindo a aproximação. Vai entender. Também está acontecendo (mas está pra acabar) uma exposição de esculturas de vidro de Chihuly. Não faz meu estilo, mas é bacana. Ao final, claro, tem uma “lujinha” com algumas peças dele à venda, para quem está disposto a desembolsar vários dólares por cinzeiros de vidro colorido metidos a besta.


O ICA é um típico museu de arte contemporânea, para o bem e para o mal. Para o bem: arquitetura belíssima, com uma vantagem, a localização. Fica na beira do mar, com uma vista de encher os olhos. Para o mal: é de arte contemporânea, o que, infelizmente, tem significado ultimamente falta de noção de ridículo. O ICA até tem um acervo interessante, com obras da sul-africana Marlene Dumas, mas, infelizmente, não estão em exposição (provavelmente emprestadas a outro museu). Está acontecendo uma exibição diferente, de “arte em capas de LPs”. Dá pra matar saudade de um tempo que parece distante. Tão distante que me aconteceu algo constrangedor. Uma das obras é dessas instalações que interagem com o público. São vários toca-discos lado-a-lado com LPs pra gente colocar e ouvir. Pois bem. Não é que eu esqueci como é que fazia! Fiquei ali parado, coçando a cabeça, tentando lembrar que botão eu apertava pra fazer a agulha chegar até o LP e depois baixar e começar a tocar. Até que a moça do lado, vendo minha estupefação diante de minha própria ignorância, resolveu me ajudar. Fiquei meio deprimido. Para chegar ao ICA pegue o metrô da linha azul até a estação Aquário e caminhe um pouco. Se você for turistóide sem culpa, vá ao Aquário, curta, depois vá ao ICA e não entre, fique só na parte de fora dele e bata um zilhão de fotos, que é muito bonito.


Para finalizar com Boston, há dois museus ótimos para crianças, o Museu de Ciências, na divisa entre Boston e Cambridge (estação de metrô da linha verde Science Park) e o das Crianças (nas proximidades do Aquário).


Voltando a Nova York, temos também três paradas obrigatórias. O Metropolitan, o MOMA (Museum of Modern Art) e o Guggenheim. A arquitetura deste último é belíssima, o que vale a visita. Para curiosos e amantes da arte também vale, mesmo que eventualmente tenham crises de riso com a falta de noção de ridículo de um Lee Ufan, por exemplo. Em se tratando de arte, sempre vale a pena dar chance. Só a arquitetura do Guggenheim já vale a visita. No acervo dos três museus há preciosidades que merecem pelo menos 30 minutos de contemplação embevecida. Aqui vão sugestões (mantive os nomes em inglês):
(Nota para aqueles que acharem que eu tenho memória boa: tive ajuda dos livros-guia de cada museu. Sempre compro ímãs de geladeira (com reproduções dos quadros, o que deixaria Adorno furioso) e livros-guia de todo museu a que vou. Minha geladeira está parecendo árvore de Natal).

No Guggenheim:

 

Paris Society — Max Beckman.
Violin and Palette — Georges Braque (um cubista contemporâneo de Picasso e de certa forma mais original).
Bibémus — Cézanne (O Guggenheim não é o melhor lugar para quem aprecia Cézanne, nem eu compartilho com Isaac (Woody Allen, “Manhattan”) a preferência por ele, mas esse quadro é especial).
The Soldier Drinks — Marc Chagall.
Eiffel Tower — Robert Delaunay (esse quadro me apeteceu por lembrar cenários de “Metrópolis”, de Fritz Lang).
Apropos of Little Sister — Marcel Duchamp (maravilhoso quadro, merece 60 minutos).
Houses in Paris — Juan Gris.
Todos de Kandinsky — não porque eu goste mais dele, mas porque é o forte do Guggenheim.
Artillerymen — Kirchner (nada a ver com os políticos argentinos!).
Red Baloon — Klee (não gosto muito de Klee, mas esse é até interessante — 10 minutos).
Knight Errant — Oskar Kokoschka.
Large Nude — Frantisek Kupka (60 minutos).
The Smoker — Léger (Leger é irregular, sua fase cubista é mais bacana).
Interior with Mirrored Wall — Lichtenstein (é o que parece quadrinhos, que fez as catedrais em exposição no Fine Arts de Boston, junto com as de Monet).
The Unfortunate Land of Tyrol — Franz Marc.
Prades, the Village — Miró (não gosto de Miró, mas esse é um Miró que não parece Miró, então é bacana. Pra quem gosta mesmo, o Rainha Sofia, em Madri, é um lugar mais adequado).
Nude — Modigliani (os rostos alongados de Modigliani são um charme imediatamente reconhecível. Todo Modigliani merece pelo menos 60 minutos).
Os Mondrian são outro forte do Guggenheim e por isso vale ver, mas não mais do que 10 minutos cada.
Há uma quantidade razoável de Picassos (de novo, o rainha Sofia seria um lugar mais adequado pra quem gosta mesmo), e os da fase pré-cubista são particularmente interessantes (Woman Ironing merece 60 minutos).
Pollock — todo Pollock é igual. Viu um, viu todos, então reserve pro Metropolitan, em que o espaço é mais adequado.
Abstract Painting — Ad Reinhardt (Esse eu faço questão que você veja. Lembra a peça da Yasmina Reza, “Arte”, em que ela fala de uma “obra de arte” que era um risco branco num quadro branco? Esse é preto. Morra de rir).
Portrait of Johann Harms — Egon Schiele (muito bacana, me lembra um de meus preferidos, Lucien Freud).
Three Studies for a Crucifixion — Francis Bacon (60 minutos pelo menos, gosto muito de Bacon — sem trocadilho!).
Os Andy Warhol servem para você  rir e ter uma amostra da infinita capacidade do marketing.
Há impressionistas até merecedores de atenção, mas aqui não é o lugar pra isso. Guarde pro Metropolitan.

No MOMA:

 
O MOMA também não é lugar pra isso, mas há um Van Gogh que merece pelo menos 4 horas só pra ele, que é o Noite estrelada. Infelizmente o nome “Van Gogh” atrai muitos turistóides e as chances são que você não terá a calma requerida para usufruir dessa maravilha.Também não é aqui o melhor lugar para apreciar Édouard Vuillard, mas Mother and Sister of the Artist é diferente do que se está acostumado a associar a ele (60 minutos).
The Storm — Edvard Munch.
Biridge over the Riou — André Derain (outro que não é aqui o melhor lugar, mas este quadro merece 60 minutos).
Hope II — Gustav Klimt (é o quadro que aparece no filme “Another Woman”, de Woody Allen, e talvez por isso eu tenha me demorado nele bem mais do que o usual).
Street, Dresden — Kirshner.
Há quantidade razoável de Picassos, Kandiskys e Matisses, que valem a pena.
The Menaced Assassin — Magritte.
(Não perca seu tempo com Max Ernst, Miró e Klee por aqui).
Os relógios derretidos de Dalí já não me impressionam mais.
Nude in Bathroom — Pierre Bonard (atualmente meu impressionista preferido. Pra irritar minha esposa eu digo que é bem melhor do que Monet).
The street — Baltus.
Há os Pollock e Mondrian, claro (10 minutos cada).
Girl with Ball — Lichtenstein (esse quadro é o símbolo do MOMA. Vai entender...).
Large Head — Lucian Freud (um de meus preferidos no momento. Morreu recentemente).

No Metropolitan:

 
Seria impossível apontar o que há de melhor aqui. Se este não é o melhor museu do mundo, sem dúvida é o melhor que eu já tive a oportunidade de visitar. Enquanto outros bons museus têm uma sala ou outra de impressionistas, este tem várias. Impressionistas e contemporâneos pré e pós. Monet, Manet, Renoir, Degas, Bonnard (embora desse haja pouca coisa), Seurat, Signac, Gauguin (desse eu não gosto), Cézanne (mais de uma sala só de Cézanne, com as tais “incríveis maçãs e peras” de Isaac/Woody Allen), Van Gogh, claro, Toulouse-Lautrec, Derain... Tem-se a sensação de que a qualquer momento nos acontecerá a síndrome de Stendhal, como acontecia com Dostoiévski, quando via o quadro “Cristo morto”, de Hans Holbein).
Claro, há os modernos, com espaço até bem grande. Curiosamente, Bonnard está tanto entre os impressionistas, quanto entre os modernos. Modigliani, Braques, Picasso, Balthus, De Chirico, Max Beckmann (Beginning, bem interessante), o trio Pollock, Warhol e Lichtenstein, evidentemente.
De Lucian Freud há quase uma sala toda, maravilhosa. O guia destaca somente Naked Man, Back View. 60 minutos para cada um (ou seja, dedique um dia só para Freud).
Há Velázquez e Goya (gosta disso? Dê um jeito de ir ao Prado, em Madri).
Há Rembrandt, que eu considero hiperestimado, mas merecedor de uns 30 minutos.
Enfim, há coisa demais.
A essa altura minhas preferências ficaram descaradas. Nem mencionei, por exemplo, a enorme coleção de arte medieval e antiga do Metropolitan. Não gosto, não vejo graça. Também não gosto muito de esculturas, não importa de quem. Não sei a razão disso (há razão para preferências?). De forma que se você gosta, estará bem servido no Metropolitan, só que eu não sou a pessoa indicada para conversar sobre o assunto. (É bem verdade que eu acabei comprando uma escultura-reprodução de uma bailarina do Degas, mas foi pra agradar minha esposa, que adora essas bailarinas do Degas).
Como sugestão final, se me permite o atrevimento, caso tenha um gosto parecido com o meu, e tiver poucos dias em Boston ou Nova York, repita visitas ao Fine Arts (em Boston) e Metropolitan (Nova York), em vez de visitar os outros. E aprecie sem moderação. Publicado em www.revistabula.com

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