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Sergipe - Cânion do São Francisco

18/05/2009 

 Férias em Sergipe. Sonho com praias, dunas, coqueirais e muito camarão e caranguejo para saborear. Muito justo, principalmente para quem vive tão longe do litoral. Mas quem vai para Sergipe pode se surpreender com outras atrações: passeio de barco no Cânion do São Francisco, saindo de Canindé, e uma trilha inusitada pela Caatinga, seguindo os últimos passos de Lampião. Nesse percurso, desfruta-se um pouco de Alagoas e da Bahia, com os quais o Estado faz divisa e mantém parcerias no turismo. Caso de Piranhas, cidade alagoana que cultua a memória do cangaço e inspirou livros e filmes. Sergipe tem também muita história e forró, compartilhados por gente hospitaleira, orgulhosa de suas tradições, como as famosas festas juninas e as rendas artesanais.

Canindé do São Francisco

Primeira parada, Canindé do São Francisco, a 213 quilômetros de Aracaju. O município fica na região do Alto Sertão Sergipano e é ponto de partida para passeios pelo Cânion do São Francisco ou Cânion de Xingó, nome herdado da Usina Hidrelétrica de Xingó, cuja construção no final dos anos 80 fez com que a profundidade média naquele trecho do São Francisco passasse de 15 metros para até 160 metros. Os guias fazem questão de ressaltar que o Cânion de Xingó é o quinto maior cânion navegável do mundo.

Um dos passeios sai do restaurante flutuante Karrancas, onde é servida tilápia em diferentes formas de preparo, dourada ao molho e cozido de carne de bode, prato apreciado na região e aprovado por quem não teme experimentar. Outro prato típico é a galinha de capoeira, a nossa galinha caipira, feita ao molho, com acompanhamento de quiabo – Canindé é grande produtora da hortaliça, tem até o Festival do Quiabo – e feijão verde feito na manteiga de garrafa (servidos no restaurante Sabor do Sertão, já na saída da cidade).

Mas voltemos ao passeio pelo rio. Após embarcar em catamarã ou escuna, segue-se por um percurso de 18 quilômetros. A trilha sonora foi sendo feita conforme pedidos dos visitantes. Gonzagão, Dominguinhos, Sá e Guarabyra, Elba Ramalho, Gilberto Gil, a boa música nordestina vai acompanhando as descobertas de um visual marcado pelas serras com vegetação de Caatinga e formações rochosas de até 50 metros, cujas formas lhe renderam nomes ditados pela imaginação: Pedra do Gavião, Pedra do Japonês...

As águas convidam para um mergulho, já que o calor é intenso. Uma ducha pode aliviar o sufoco, enquanto não chega o grande alívio: a pausa para banho na Gruta do Talhado, onde as formações rochosas emolduram o verde profundo da água. Se o passeio for à tarde, à beleza e paz desse recanto soma-se o pôr-do-sol no rio, apreciado quando já se está prestes a desembarcar.

Em Canindé, além do Museu de Arqueologia, uma simpática senhora de 85 anos conquista a atenção dos visitantes. É Alzira Marques da Silva, que encarna bem a ideia de memória viva, legado que ela divide com bom humor, recebendo as pessoas em sua casa simples ou posando para fotos. Alzira costumava ser chamada para animar as festas de Lampião, menina ainda, aos 12 anos. Não guarda mágoa dessas convocações, porque não eram propriamente convites. Diz ter sido muito bem tratada pelo grupo e satisfaz a curiosidade geral: Maria Bonita era mesmo bonita? “Não, tinha outras mais bonitas do que ela, mas ela dançava muito bem”.

 

Piranhas e Poço Redondo  

Para fazer também o outro passeio pelo São Francisco, em direção à Grota de Angico, é preciso ficar pelo menos dois dias em Canindé. De lá se parte, de catamarã, para o município vizinho de Poço Redondo. Antes de chegar lá, uma parada na outra margem do rio, na cidade alagoana de Piranhas, patrimônio histórico nacional que inspirou livro de Ariano Suassuna e foi cenário do filme Baile Perfumado. O lugar é mesmo propício à inspiração. Quem sabe uma obra de realismo fantástico? É o que sugere o sol inclemente, o ar quente e abafado, quase sobrenatural. Mas compensa muito a visita. Seja pelo casario enfileirado, o largo cenográfico, a igrejinha no alto do monte, de onde desponta uma longa escadaria, as prainhas fluviais ou o Museu do Sertão, no prédio da Estação Ferroviária de estilo neoclássico, influência inglesa. Ali estão móveis, objetos, roupas, esculturas, fotos e bilhetes de Virgulino Ferreira da Silva, ele mesmo, o Lampião. Personagem de tantas histórias, idolatrado por uns, detestado por outros, figura ambígua e sempre lembrada. Foi em Piranhas que se fez a foto macabra das cabeças de Lampião e cangaceiros do seu bando, arrumadas pelo soldado Josias Valão nas escadarias do Palácio d. Pedro II, atual sede da prefeitura. As cabeças ficaram expostas logo depois que os cangaceiros sucumbiram a uma emboscada da volante (como era chamada a polícia da época), comandada pelo tenente João Bezerra, no dia 28 de julho de 1938. Para saber mais do trágico desfecho, é preciso embarcar novamente e seguir pelo São Francisco até a Praia da Forquilha, ponto de acesso à trilha para a Grota do Angico.

A trilha é curta, um quilômetro apenas, mas a impressão é de ter andado bem mais. Porque é íngreme e porque o calor beira o insuportável. Embrenhar-se pela Caatinga é uma experiência impressionante. É tudo tão claro, esbranquiçado, como se neve fosse possível naquele sertão. Supor que vida não vingue em cenário tão agreste é cometer o engano de não reparar na biodiversidade muito peculiar de plantas, como enormes mandacarus, anfíbios, insetos, mamíferos e serpentes – é preciso ficar atento a elas. Conta o nosso guia, o estudioso do cangaço e turismólogo Jairo Rodrigues, que os gangaceiros consideravam as cobras um bom sinal. Mesma sorte não tiveram as mulheres. No cangaço, relata Jairo, mulher não tinha vez nem voz. Eram recrutadas ou entravam no grupo sob o ímpeto da paixão, e tinham de suportar a peregrinação pela Caatinga, muitas vezes carregadas de ouro, dinheiro e jóias, mas sem água – e sede é tudo que se sente naquele mundo de sertanejo que é, sobretudo, um forte. Valei-me Euclides da Cunha.

Também faltava comida, não raro. E foi por causa da compra de mantimentos que Lampião acabou cercado e morto pelas volantes, que desconfiaram do grande volume de compras feitas por um coiteiro (pessoa que acobertava o bando).

Sentados nas pedras do leito seco do riacho cujas águas atraíram Lampião para o local de sua morte, os visitantes ouvem fascinados as narrativas. Mas é hora de regressar. Antes do retorno a Canindé, e de lá para Aracaju, é lei: refrescar-se, mergulhando no São Franciso.

A repórter viajou a convite de Aracaju – Convention & Visitors Bureau

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SERVIÇO

Onde se hospedar em Canindé do São Francisco: Xingó Parque Hotel - Apartamentos de luxo, master e suíte. Reservas: (79) 3217-4916/ 3217-4306 www.xingoparquehotel.com.br

Passeios pelo São Francisco: MFTur Empreendimentos Turísticos - (79) 3346- 1184/ 9972-1320. reservas@mturxingo.com.br


Fotos: Wellington Barreto
Foto 1: Formações rochosas no Cânion do São Francisco: paisagens se descortinam em passeio de catamarã ao som da música nordestina

Foto 2 - Gruta do Talhado: pausa para mergulhos refrescantes em águas de verde profundo emolduradas por esculturas naturais

O Popular/Karla Jaime Morais
de Canindé do São Francisco

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