Mundo Mulher

STF suspende sessão: 5 a 1 a favor do aborto de anencéfalos

12/04/2012

O Supremo Tribunal Federal (STF) teve o primeiro dia de julgamento nesta quarta-feira para decidir se mulheres grávidas de fetos anencéfalos (sem cérebro) podem abortar. Relator do caso e primeiro a se manifestar, o ministro Marco Aurélio Mello concluiu seu voto a favor a descriminalização do aborto neste caso. Os ministros Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Cármen Lúcia seguiram o relator, confirmando a tendência da Corte de conceder o direito, segundo aposta dos próprios integrantes do tribunal. Apenas Ricardo Lewandowski votou contra. O julgamento será retomado na quinta-feira, às 14h, com o placar de 5 a 1 a favor do aborto de anencéfalos. Do lado de fora do STF, manifestantes protestaram contra o aborto de fetos sem cérebro.

- Ao Estado não é dado (o direito de) se intrometer. Ao Estado cabe o dever de informar e prestar apoio médico e psicológico antes e depois da decisão (da mulher) - disse Marco Aurélio Mello, que, em 2004, concedeu liminar permitindo a antecipação do parto no caso de fetos anencéfalos, mas o plenário, meses depois, cassou a autorização.

- O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. O fato de respirar e ter batimento cardíaco não altera isso - afirmou o ministro, em outro ponto de seu voto.

Marco Aurélio comparou a anencefalia à morte cerebral, quando ainda há respiração e batimentos cardíacos, mas não há mais vida. Para respaldar seus argumentos, o relator citou informações de especialistas que participaram de audiência pública promovida pelo STF em 2008. Segundo o ministro, 75% dos anencéfalos morrem antes do parto. O restante não sobrevive além das primeiras 24 horas. Ele afirmou que os religiosos podem participar do debate político, mas com restrições.

- Numa democracia, não é legítimo excluir qualquer ator da arena de decisão. Contudo, para se tornar aceitáveis juridicamente, os argumentos provenientes dos grupos religiosos devem ser traduzidos em termos de razões públicas. Os argumentos devem ser impostos em termos cuja adesão independem dessa ou daquela crença - disse, completando:

- Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião.

Antes de terminar sua fala, Mello afirmou que a demora para analisar esta ação é uma "página triste" na história do STF, porque muitas mulheres foram submetidas à "via crucis" para garantir um direito na Justiça.

- O ato de obrigar a mulher a continuar a gestação é mantê-la em cárcere privado em seu próprio corpo. Assemelha-se à tortura, que não pode ser pedida a qualquer pessoa ou ser dela exigida - afirmou.

A ministra Rosa Weber também citou em seu voto a liberdade de escolha da mulher.

- A proibição da antecipação do parto fere a liberdade de escolha da gestante que carrega o feto anencéfalo no seu ventre. A interpretação extensiva (de que o aborto de feto anencéfalo é crime) viola direito fundamental da gestante, já que não há direito fundamental à vida em jogo - afirmou a ministra.

O ministro Joaquim Barbosa também votou pela autorização do aborto no caso de anencefalia. Ele pediu para que seu voto fosse distribuído aos ministros e não leu o texto. Barbosa ficou boa parte da sessão em pé. Ele tem problemas na coluna cervical.

Luiz Fux comparou a punição ao aborto de uma mulher que não quer ter um filho anencéfalo com a tortura.

- Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale à tortura. A ameaça penal não tem a menor eficácia. Há dados aterrorizantes sobre a morte de mulheres que fazem o aborto de modo incipiente e depois têm de fazer a via crucis em hospitais públicos.

A ministra Cármen Lúcia também acompanhou o relator, e fez questão de frisar que “este Supremo Tribunal Federal não está decidindo permitir o aborto."

- Estamos deliberando sobre a possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de feto anencéfalo de ter a liberdade, de seguir o que achar o melhor caminho, seja continuando ou não com esta gravidez. (...) O útero é o primeiro berço do ser humano. Quando o berço se transforma em um pequeno esquife a vida se entorta. Talvez este seja o dado que mais toca a dignidade do ser humano.

Único a rejeitar o voto do relator, Ricardo Lewandowski disse que a decisão faria o Brasil retroceder à Idade Média, pois haveria precedente jurídico para que crianças fracas fosses sacrificadas. Ele também afirmou que, com a decisão, a Corte estaria roubando as prerrogativas do Legislativo:

- Não é lícito ao maior órgão judicante do país envergar as vestes de legislador criando normas legais. (...) Não é dado aos integrantes do Poder Judiciário promover inovações no ordenamento normativo como se parlamentares eleitos fossem.

Amanhã , vão votar Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso.

O ministro Antonio Dias Toffoli não votará, pois, quando era advogado-geral da União, manifestou-se favorável à interrupção da gravidez no caso de anencéfalos.

Nada justifica restrição ao direito de liberdade, diz Gurgel

Luís Roberto Barroso, advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), autora da ação, fez sua sustentação oral afirmando que o Estado não tem direito de fazer a escolha de abortar ou não um feto anencéfalo em nome da mulher:

- Trata-se de uma tortura psicológica a que se submete essa mulher grávida de um feto anencefálico, que não sairá da maternidade com um berço, mas com um pequeno caixão e terá que tomar remédios para secar o leite que produziu - afirmou Barroso durante a sustentação oral.

O advogado da CNTS argumentou que interrupção da gravidez nos casos de anencefalia não pode ser considerada aborto:

- A criminalização da interrupção da gestação quando o feto não é viável fora do útero viola direitos da mulher.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu parecer favorável à possibilidade de antecipação de parto nos casos de anencefalia. Gurgel diz que “não se justifica, sob o prisma constitucional, a imposição de qualquer restrição, sobretudo de natureza penal, à liberdade da gestante de decidir se interrompe ou não a sua gravidez, abreviando o desfecho inexorável da morte do anencéfalo”. Ele também afirma que a questão debatida é fruto do “anacronismo da legislação penal brasileira, editada quando ainda não era possível diagnosticar a viabilidade da vida extrauterina do feto”.

- Quando não há possibilidade de vida (do feto), nada justifica restrição ao direito de liberdade e autonomia reprodutiva da mulher - disse o procurador.

Ação foi ajuizada em junho de 2004 pela CNTS

Em discussão no plenário estão temas como o início da vida e a dignidade da mulher. Já foram realizadas audiências públicas no tribunal sobre o assunto. Uma das conclusões foi a de que não há perspectiva de vida para os fetos acometidos do mal, que morrem pouco tempo após o parto. A ação foi ajuizada em junho de 2004 pela CNTS.

O Código Penal considera o aborto crime passível de punição para a mulher submetida ao procedimento e para o médico que a auxilia. As exceções são para gravidez fruto de estupro e para salvar a vida da gestante.

Representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) têm sido ouvidos por integrantes do tribunal para rebater o argumento. Para eles, o direito à vida é expresso na Constituição - independente de quanto tempo essa vida durar.

Liminar autorizou aborto, mas foi derrubada

Quando a ação chegou ao STF, o relator, ministro Marco Aurélio Mello, concedeu liminar autorizando uma grávida de feto anencéfalo a interromper a gestação. A liminar foi cassada pelo plenário da Corte em outubro do mesmo ano por sete votos a quatro. Votaram a favor da liminar, além do próprio relator, Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence, hoje aposentado.

Dos ministros que ainda compõem a Corte, votaram contra a liminar Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Este último defendeu a posição por questões técnicas, mas ressalvou que concederia a liminar em outro momento da tramitação do processo.

Em 2005, por sete votos a quatro, o plenário do STF decidiu pela admissibilidade da ação: ou seja, definiu que o tribunal era o foro adequado para julgar a causa. Peluso foi contrário à admissão. Gilmar Mendes, a favor. Goiasnet.com/O Globo

 

 

 

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