Mundo Mulher

Nuances da depressão

Entrevista / Teng Chei Tung

Considerada um dos males da vida moderna, a depressão é mais antiga do que muitos imaginam. Registros formais mais antigos sobre sua manifestação em humanos datam da Antiguidade. Nos tempos modernos, se considerou por muito tempo que as causas eram somente de fundo emocional. Ideia que o médico psiquiatra Teng Chei Tung, da Universidade de São Paulo (USP), tem tentado desmistificar cada vez mais. Médico supervisor do Hospital das Clínicas da USP, ele é especialista em depressão e uma de suas variações específicas, o transtorno bipolar, variação extrema do humor. Em Goiânia para uma conferência que estava programada para ontem à noite, o profissional falou ao POPULAR antes de embarcar para a cidade. Na conversa, destacou a importância do tratamento médico da doença, que já é considerada problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde.

Há uma confusão entre o papel da psiquiatria e o da psicologia e da psicanálise no tratamento da depressão. Como diferenciá-los?
Algumas vias da psicologia acreditam que as causas da depressão são puramente psicológicas. Mas essas linhas não querem olhar para a ciência. O que há de mais comprovado é que depressões, principalmente as que causam prejuízo na vida das pessoas, têm fundo biológico. É um problema reconhecido até pela Organização Mundial de Saúde. A depressão será a principal doença que causará perda de qualidade de vida em 2020. Hoje já é a segunda maior causa. É claro que a psicologia pode ajudar a melhorar o jeito com que as pessoas lidam com o mundo e a vida, mas quando há depressão não adianta só terapia. Tem de haver o tratamento biológico.

Que sintomas determinam se uma pessoa está sofrendo de depressão?
Vários. A tristeza é um. Geralmente se perde o prazer nas coisa e há falta de energia e desânimo. Pode também envolver problemas de sono, como insônia ou dormir demais, e alterações no apetite, com perda de peso ou ganho exagerado. Pode ainda haver problemas de concentração na leitura, na aula, no trabalho. Tudo é encarado com pensamento negativo, com pessimismo ou com sentimento de culpa. Chega-se mesmo ao ponto de se desejar a morte.

Houve aumento de casos nos últimos anos?
Há realmente um aumento na percepção de quadros depressivos. A depressão passou a ser vista como uma doença que precisa ser tratada. O número aparentemente está aumentando, mas ainda não se sabe o porquê.

Trata-se de uma doença que afeta a química cerebral. Qual é o mecanismo?
O corpo e o cérebro sofrem algum tipo de estresse natural, de aborrecimentos cotidianos e, se há tendência genética, o cérebro começa a não funcionar direito. É uma desorganização e mau funcionamento dele, mas é muito mais complicado do que dizer que está faltando serotonina (hormônio associado às sensações de bem-estar e prazer).

Que fatores externos causam isso?
Pode ser um estresse normal da vida ou o resultado de uma violência, como assalto ou estupro. Até mesmo estresses normais com estar desempregado ou problemas na família, brigas ou estresses mais traumáticos como um acidente de carro podem abrir essa possibilidade, desde que a pessoa tenha tendência. Com o tempo os estresses vão se acumulando e chega uma hora em que se manifestam de alguma forma.

Uma pessoa que não tenha predisposição genética também pode desenvolver a doença?
Sim. Às vezes, por exemplo, ela pode tomar algum remédio que vai afetar o cérebro ou então ter alguma lesão ou alguma doença que a afete de alguma uma forma.

Existem casos de depressão crônica. Qual é a diferença?
Há várias formas de apresentação. As pessoas têm depressões que surgem, melhoram e depois surgem de novo. Chamamos de depressão recorrente. Há casos em que a pessoa apresenta sintomas o tempo todo e fica vários anos assim. E tem outras formas de depressão, com nas pessoas instáveis que são bipolares. O transtorno bipolar é um tipo específico de depressão.

Atualmente o senhor está conduzido pesquisas que envolvem aplicação de placebo (falso medicamento usado como verdadeiro, sem que o paciente saiba). O efeito psicológico é recorrente?
O placebo nos deixa saber quanto o remédio ajuda. Não é raro encontrar casos em que o efeito placebo funciona mais que a química. Na verdade, em assuntos psiquiátricos em geral e a depressão especialmente, em um terço das pessoas que tomam qualquer coisa acreditando que vai funcionar acaba funcionando.

Em que nível estão as pesquisas em diagnóstico e tratamento?
Ainda há muita coisa para se descobrir. Não sabemos como a depressão funciona e ainda estamos descobrindo caminhos da fisiologia da doença. As opções de tratamento são insuficientes. De forma geral, os tratamentos conseguem ajudar no máximo dois terços dos pacientes.

Há cura definitiva?
Não. Na maioria dos casos, que são genéticos, a pessoa nasceu com a tendência. Não há como consertar genes. É possível melhorar e ficar sem os sintomas, mas não quer dizer que no futuro a doença não vá voltar. Podemos mantê-la controlada, mas um tratamento para que nunca mais volte não é garantido.

Quais são as situações mais comuns que favorecem o surgimento da depressão?
São as mais variadas. O mais comum na mulheres são situações de estresse do dia-a-dia, como relacionamentos e trabalho. Na verdade não são causas em si e sim situações desencadeantes. Já os homens escondem mais. Eles não mostram tanto. Geralmente eles se deprimem em situações que envolvem problemas de trabalho. Por isso, é preciso conseguir fazer do trabalho algo menos estressante, o que também vale para os relacionamentos.

Fonte: opopular.com.br/Rodrigo Alves

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