Mundo Mulher

Mulheres no poder

Flávio Paranhos

Proposição 1: A Suécia é um país desenvolvido e tem pouca corrupção.
Proposição 2: A Suécia tem muitas mulheres no poder.
Conclusão específica: A Suécia tem menos corrupção porque tem mais mulheres no poder.
Conclusão geral: Quanto mais mulheres no poder, menos corrupção.

Se ao leitor o raciocínio pareceu estranho, convido a me acompanhar a questioná-lo. Retirei-o de uma citação no artigo da escritora Rose Marie Muraro, publicado no POPULAR de 7/12/2007 (Gênero e a sustentabilidade da vida). Em nome de uma causa justa – aumento da participação feminina no poder – calcada numa obviedade biológica facilmente comprovável – que as mulheres são tão capacitadas quanto os homens

–, Rose Marie comete alguns pecadilhos, a meu ver. O pior deles foi ajudar a perpetuar o mito da “medicina melhor do mundo” de Cuba. Já tive oportunidade de mostrar neste espaço que, pelo menos no caso da oftalmologia, não só não é a melhor do mundo, como é criminosa, ao explorar o desespero de portadores de doenças genéticas da retina com tratamentos caríssimos (comunismo bom esse!) que não só carecem de comprovação científica, como já há comprovação do contrário – não funcionam e podem até fazer piorar. Mas o “pecado” que me traz aqui é outro.

Voltando ao silogismo. Fui atrás da literatura citada, no site do Banco Mundial (www.worldbank.org) e, de fato, está lá disponível para leitura na íntegra o estudo citado por ela. Este, por sua vez, cita artigos que lhe fundamentam, sendo o principal o Are women really the “fairer” sex? Government and women in government (Dollar, Fisman & Gatti, 1999). A premissa de que parte é a seguinte: os homens são mais egocêntricos e oportunistas do que as mulheres, estas são mais propensas ao comportamento ético e íntegro. A hipótese: dadas estas características, seria razoável admitir que quanto maior a participação feminina, mais honesto será um governo.

Para testar a hipótese, os autores associaram dados disponíveis de indicadores de corrupção, renda, desenvolvimento, escolaridade, etc, e participação feminina no parlamento. Apresentaram os achados iniciais numa tabela fácil de analisar e que mostra o óbvio: a maior participação feminina no poder corre em paralelo com indicadores econômicos e de desenvolvimento. Eu friso: em paralelo. Não há como estabelecer relação causal entre uma coisa e outra, são interdependentes. Entretanto, sendo a estatística a arte de torturar os números até eles confessarem significância, e como a primeira tabela se apresentasse incômoda aos autores, eles então bolaram um intrincado método de regressão pra chegar onde queriam, obtendo índices de correlação fracos a médios, que chamaram de fortes(?).

É de se perguntar, se tivessem testado a hipótese contrária (quanto mais homens no poder, menos corrupção), se não poderiam ter obtido resultado semelhante. Admitamos agora, como exercício, que eu esteja errado e os autores certos. As mulheres são menos egocêntricas e oportunistas, e, portanto, mais éticas e honestas. Ora, ninguém chega ao poder sem ser oportunista e um tanto egocêntrico. Há de se perseguir com tenacidade um projeto pessoal. Além disso, não se pode ser ético e político ao mesmo tempo, são duas coisas absolutamente incompatíveis (o que não quer dizer que não se pode ser honesto e político).

Pra chegar ao poder pra valer é preciso, pois, abandonar justamente as características femininas mais ternas. Ou já se esqueceram do apelido de Margareth Thatcher? Além disso, se a vida é uma puta, como dizem os americanos, a política é uma puta velha. Ou uma enorme pizza, no caso do Brasil. Tem de dançar conforme a música. Ângela Guadagnin que o diga.

Nota: coletivamente, sexos feminino e masculino têm a mesma capacidade intelectual. Individualmente, porém, uns mais que outros. Rose Marie é um bom exemplo disso. Praticamente cega, é graduada em dois cursos, criou uma editora e ainda acha tempo pra ser uma intelectual atuante. O fato de não concordar com ela não me impede de admirá-la profundamente.
Flávio Paranhos é médico oftalmologista, cronista do POPULAR, autor de Epitáfio (Nankin Editorial)

http://flavioparanhos.blog.uol.com.br/

Fonte: Jornal O Popular

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