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Mulheres e a AIDS

Mulheres e a AIDS

 

Demora no tratamento de aids faz crescer mortes de mulheres

EM 2002, 35% DAS MULHERES QUE MORRERAM DA DOENÇA TIVERAM MENOS DE 12 MESES DE VIDA ENTRE DIAGNÓSTICO E ÓBITO

Isabel Czepak e Carlos Borges- para o Jornal o popular

Trinta e cinco por cento das mulheres que morreram de aids no País em 2002 tiveram menos de 12 meses de vida entre o diagnostico e o óbito. Isso significa que, em tempos de grande evolução do tratamento - hoje faz 21 anos que o vírus foi isolado pelo Instituto Pasteur, de Paris - numa época em que a aids já é vista pela comunidade cientifica como uma enfermidade crônica - não tem cura, mas tem tratamento -, mais de um terço das doentes ainda não consegue chegar aos serviços de saúde em tempo de aproveitar as terapias existentes. Dados do Ministério da Saúde mostram que, apesar de a taxa de mortalidade pela doença estar em franca redução desde 1996, entre as mulheres a queda tem sido 2,4 vezes mais lenta do que entre os homens. O problema decorre do fato de que elas demoram mais tempo para fazer o teste e detectar o HIV do que eles.

João Alves de Araújo filho, diretor-clínico do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), referencia em HIV/aids para o Estado, confirma isso com base nos dados do seu consultório. O médico diz que diante de sinais da infecção as mulheres levam até quatro vezes mais tempo que os homens para procurar assistência médica. Eles costumam aparecer três meses em média após a manifestação do sintomas. Elas levam um ano. Para o médico, vários fatores explicam esse comportamento feminino. O primeiro e mais predominante seria o fator cultural, que se apresenta sob as mais diferentes nuances. Araújo, observa, por exemplo, que a mulher latino americana é educada para cuidar da família, do marido, dos filhos e, na maioria das vezes, prioriza a saúde dos outros à sua própria. Essa característica é tão forte que, segundo o infectologista, ainda aparecem casos de mulheres que atrasam o inicio do próprio tratamento para cuidar dos maridos doentes, mesmo sabendo que eles se infectaram em casos extra-conjugais.

Também por questões culturais, a mulher não se imagina uma potencial portadora de HIV/aids. O maior grupo de vitimas está entre aquelas que tem relacionamentos estáveis e parceiros fixos. Elas acreditam na fidelidade do parceiro. Conseqüentemente, não pensam na possibilidade e demoram para buscar o diagnostico. "O homem sabe os riscos que corre e fica atento aos sintomas." Marido doente A auxiliar de serviços gerais Rita, 40 anos, passou três anos cuidando do marido doente sem saber que ele estava com HIV e sem suspeitar que estava contaminada, Rita só descobriu a doença depois da separação, quando também ficou doente.

Entre os primeiros sintomas (febres e diarréias esporádicas e um pequeno emagrecimento), Rita diz que se passaram oito meses. "Não dei importância para aquilo, porque não me atrapalhava", diz ela para explicar a demora. "Era fiel, apaixonada pelo meu marido e jamais poderia imaginar." Fator cultural é o vilão da feminilização Gerente e Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde (SES), Petronor de Carvalho Fonseca observa que a tendência de feminilização da epidemia tem acontecido em todo o Brasil. A Vigilância Epidemiológica está tabulando os dados sobre mortalidade entre as mulheres com aids em Goiás, mas Fonseca adianta que o Estado está em um patamar equivalente. O técnico também elenca principalmente os fatores culturais como vilões para o avanço da infecção pelo HIV e para inibir o inicio do tratamento.

"Principalmente entre as mulheres casadas, existe uma resistência cultural em pedir que o parceiro use o preservativo", pondera. Conforme o Ministério da Saúde, enquanto 75,1% dos homens relatam uso consistente da camisinha, essa taxa entre elas é só de 17,9%. Não é por acaso que um grande número de casos de aids entre mulheres é diagnosticado no pré-natal. "A quantidade tem aumentado muito justamente em função da inclusão do teste no protocolo de exames exigidos na gravidez", observa o diretor clinico do Hospital de Doenças Tropicais (HDT), João Alves de Araújo Filho. Para o médico, o fato de as mulheres só descobrirem que são portadoras do vírus quando já estão gestantes reflete, mais uma vez, a confiança cega que elas têm nos parceiros.

Se pudesse voltar no tempo, Maria, de 44 anos, não teria confiado cegamente no marido. Em 1992 ela decidiu fazer o teste de aids depois de descobrir que ele era bissexual. "Quando disse que o resultado havia dado positivo, ele fugiu de casa levando meu filho, na época com 10 anos." A tragédia dupla na vida de Maria fez com que ela entrasse em depressão. "Achava que ia morrer no dia seguinte", diz ela, que nunca mais viu o filho. "O conselho tutelar o localizou, mas ele não quis falar comigo. O pai deve ter falado horrores e ele era só uma criança. Respeitei. "Numa cadeira de rodas por causa de um derrame cerebral - seqüela da infecção por HIV com a qual convive há 12 anos, Maria é enfática ao aconselhar outras mulheres: "- Não confie em seus maridos, façam o teste e, se estiverem contaminadas, exijam tratamento porque é seu direito", orienta. "Aliança não salva ninguém da contaminação", endossa Lucia, 32, auxiliar administrativa, que também pegou HIV do marido, mas descobriu cedo.

"Ele foi doar sangue e escondeu o resultado. Dois meses depois, descobri." Lívia, 27, recepcionista fez o exame quando o marido ficou doente. Os dois namoraram um ano e depois de três meses de casados, ela perdeu um bebê. "Imagino que foi por causa do HIV". Dois meses depois, Lívia engravidou de novo. O diagnostico veio quando o bebê já estava com dois meses. "Ele não se contaminou e hoje estamos todos bem, porque nos cuidados e tomamos os medicamentos. Mas, se tivesse a oportunidade de rever minha vida, não teria nenhuma relação sem camisinha. É muito ruim saber que se tem uma doença sem cura e ainda ter de conviver com o preconceito." Crescimento entre as jovens é preocupante O ritmo de crescimento de aids entre as jovens é outro dado preocupante revelado pelos números do Ministério da Saúde: problemas como preconceito e diferenças sociais estão fazendo com que, entre as jovens de 13 a 19 anos, o numero de casos de aids registrado seja seis vezes maior do que entre rapazes.

A velocidade do crescimento da infecção entre as mulheres em geral há chega a ser nove vezes maior do que entre os homens. "Estamos vivendo um momento delicado dentro dessa mudança de perfil, que precisa ser melhor trabalhando, com campanhas voltadas para esse publico", define o gerente de Vigilância Epidemológica da SES, Petronor de Carvalho Fonseca. Ele aponta ainda outro dado como agravante em potencial do novo momento da doença: o avanço da aids entre as mulheres com poder aquisitivo e nível de instrução menores. Isso é muito preocupante, porque a questão cultural está diretamente ligada ao avanço da doença e são pessoas com menor acesso a informação ou menor compreensão da informação", avalia Fonseca, lembrando que grande parte da população não sabe que nos postos de saúde há preservativos com distribuição gratuita.

Jovens Presidente do Grupo pela Valorização do Doente de Aids (PelaVidda) e autora do livro Tenho Aids, Estou Viva, Rosilda Martins Marinho enfatiza que não justifica os jovens continuarem se contaminando com doenças sexualmente transmissíveis e aids. "É preciso trabalhar com os educadores para reverter esse quadro", alerta. Rosilda se diz particularmente preocupada com o que chama de banalização da aids. "A aids passou a ser tratada simplesmente como uma doença crônica e os jovens pensam que ela não mata mais. Isso é até a uma irresponsabilidade do ministério da saúde." Para ela doença deve ser tratada sem sensacionalismo.

"É preciso mostrar a situação como ela é, até os efeitos devastadores dos medicamentos que prolongam a vida dos pacientes", afirma. Uma das ações, acredita é mudar a linguagem das campanhas para atingir o publico formado por jovens, mulheres e carentes. Outra medida é investir na rede de saúde e em programas específicos para a mulher, no apenas de prevenção de aids, mas de outras doenças e os respectivos cuidados. Desinformação ainda dificulta assistência Um fator cultural interno à mulher, mas que faz com que retarde a busca de assistência, é a convenção de que a aids é uma doença masculina e de gays. A visão distorcida decorre do fato de os primeiros casos terem sido registrados entre homossexuais e de, no inicio, a doença ter se disseminado mais intensamente entre homens.

"A maioria dos estudos foram feitos a partir de grupos de homens. Só agora, estão surgindo pesquisas sobre a evolução da doença entre as mulheres e as crianças, dois grupos que ficaram meio esquecidos", comenta o diretor clinico do Hospital de Doenças Tropicais (HDT) João Alves de Araújo Filho. Araújo observa que as pesquisas ajudam no diagnostico precoce. "Por causa delas já se sabe, por exemplo, que uma candidiase recorrente e difícil de ser tratada é um sinal de infecção por HIV. Antes, não passava de um problema corriqueiro nos consultórios ginecológicos." Muitos profissionais de saúde não estão atentos a esses aspectos e não conversam com suas pacientes sobre seu comportamento sexual. Essa conduta acaba contribuindo para que a mulher chegue tardiamente ao médico, muitas vezes, quando já não pode mais ser beneficiada pelo tratamento.

Medidas Na opinião de Araújo, o diagnostico precoce da aids em mulheres e uma redução mais acentuada da taxa de mortalidade entre elas, assim como a prevenção dos casos, depende de varias medidas. A primeira seria a promoção da educação. Outra saída deverá ser o desenvolvimento de métodos alternativos de prevenção femininos. "A resistência das mulheres em fazer do uso dos preservativos hábito tem feito a comunidade cientifica se debruçar sobre pesquisas de alternativas como gel microbicida e dispositivos intra-uterinos (DIUS) especiais, que previnam a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis." Esses métodos não dependeriam de negociação - o maior empecilho para o uso do preservativo entre elas e dariam as mulheres a liberdade de se resguardarem independente da vontade dos companheiros.

 

 

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